Presidente do STM pede perdão por crimes da ditadura em ato de Herzog
26 de outubro de 2025 09:16Cinquenta anos após o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em culto interreligioso na Catedral da Sé em sua homenagem, na presença de nomes simbólicos ds esquerda brasileira, todos de branco, a presidente do Superior Tribunal Militar, Maria Elizabeth Rocha – a primeira mulher a presidir a Justiça Militar sa União -, pediu perdão aos mortos, desaparecidos e torturados do regime militar, estendendo o gesto aos familiares. O ato é histórico. “Não podemos permitir que a ditadura retorne, nem como farsa, nem como tragédia”, disse. Todos se levantaram e a aplaudiram de pé.
Veja o vídeo do discurso no Instagram postado pelo jornalista Jamil Chade.

“Estamos aqui, todas as gerações, para honrar a memória de Vladimir Herzog, que lutou pela liberdade no Brasil. Significa que não podemos permitir que a ditadura retorne. Temos que lutar por um Estado Democrático de Direito incessantemente, porque, lamentavelmente, o autoritarismo nos assombra mesmo em tempos em que imaginávamos consolidada a democracia”, disse a ministra.
Maria Elizabeth pediu perdão a Herzog e aos familiares do jornalista. A ministra ainda mencionou os nomes de outras personalidades vítimas da ditadura e afirmou se desculpar, em nome do STM, com todos aqueles “que sofreram com as torturas, as mortes, os desaparecimentos forçados e o exílio”.
“Eu peço perdão a Vladimir Herzog e sua família. A Paulo Ribeiro Bastos e a minha família. A Rubens Paiva e à Miriam Leitão e seus filhos. A José Dirceu. A Aldo Arantes. A José Genoino e Paulo Vannuchi. A João Vicente Goulart e a tantos outros homens e mulheres que sofreram com as torturas, as mortes, os desaparecimentos forçados e o exílio. Eu peço, enfim, perdão à sociedade brasileira e à história do país”, disse Maria Elizabeth.
“Peço, enfim, perdão à sociedade brasileira e à história do país pelos equívocos judiciários cometidos pela Justiça Militar Federal em detrimento da Democracia e favoráveis ao regime autoritário. Recebam meu perdão, a minha dor e a minha resistência.”
Maria Elizabeth Rocha manifestou-se, ainda, de forma enfática contra a lei ter anistiado os militares que cometeram crimes de tortura, assassinato e desaparecimento forçado.
“Eu sempre entendi que a Lei da Anistia era inconstitucional, seja porque é incompatível com a nossa Carta de 1988, seja porque o Supremo reconheceu que os tratados de direitos humanos têm caráter supralegal. A Lei da Anistia é uma norma ordinária, portanto foi revogada não apenas pela Constituição, mas também pelo Pacto de San José da Costa Rica e pela Convenção Interamericana de Direitos Humanos, que classificam esses crimes como de lesa-humanidade, portanto, imprescritíveis e não sujeitos a perdão”, afirmou. A ministra defendeu ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) fixe uma jurisprudência clara para impedir que crimes dessa natureza sejam passíveis de anistia.
Durante o evento, o público entoou palavras de ordem contra a anistia a criminosos da ditadura de 1964 e também aos acusados de coordenar os atos golpistas de 2023. Entre as autoridades presentes estavam o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, o deputado estadual Eduardo Suplicy, além de José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça e representante das entidades organizadoras. O ex-ministro José Dirceu, a deputada federal Luiza Erundina e o ex-deputado José Genoino, também estavam presentes. Assim como a presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), Eugênia Augusta Gonzaga.

O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) também participou do evento. Lula está na Indonésia, onde neste domingo, 26, encontrou-se com o presidente norte-americano Donald Trump. “A morte de Vladimir Herzog foi o resultado do extremismo do Estado, que, em vez de proteger os cidadãos, os perseguia e matava. Por isso, é essencial fortalecer a democracia, a justiça e a liberdade”, afirmou Alckmin. Questionado sobre uma possível revisão da Lei da Anistia, Alckmin limitou-se a dizer que “já foram dados bons passos nessa questão”.
A diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck, afirmou que a anistia não pode ser um pacto restrito a quem detém o poder. “A anistia precisa ser a resposta que o Brasil ainda deve ao Brasil. Em 1979, foi um pacto de impunidade. Hoje, novamente, certos setores da sociedade reivindicam impunidade, mas nós continuamos dizendo não. Cinquenta anos depois, seguimos aqui para afirmar que aquele tempo não pode voltar”, declarou.
O jornalista Juca Kfouri também ressaltou a importância de preservar a memória de Herzog entre as novas gerações. “É fundamental que o jovem jornalista saiba quem foi o Vlado, conheça sua luta não apenas pela democracia, mas pela excelência da profissão. Os jornalistas precisam abraçar essa causa e não deixar o verdadeiro jornalismo morrer”, disse.
Maria Elizabeth Rocha ocupa a Presidência do Superior Tribunal Militar (STM) desde março deste ano. Única mulher entre os 15 ministros da corte, ela ficou conhecida por ter votado pela manutenção da prisão dos militares envolvidos na morte do músico Evaldo dos Santos Rosa, alvejado com 80 tiros no Rio de Janeiro em 2019.
O ato na Sé foi organizado pelo Instituto Vladimir Herzog e pela Comissão Arns, reunindo autoridades, religiosos e familiares do jornalista. A cerimônia foi conduzida por Dom Odilo Scherer, o rabino Uri Lam e a pastora Anita Wright, filha do reverendo Jaime Wright, que celebrou a missa histórica de 1975 ao lado de Dom Paulo Evaristo Arns e Henry Sobel, em protesto contra o assassinato de Herzog.
Vladimir Herzog era jornalista da TV Cultura e foi assassinado em 25 de outubro de 1975, nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo, após se apresentar voluntariamente para prestar depoimento sobre supostos vínculos com o Partido Comunista do Brasil (PCdoB). A versão oficial do regime alegava suicídio, mas investigações posteriores comprovaram que ele foi torturado e morto por agentes do Estado. O ato ecumênico deste sábado reafirmou o compromisso das instituições com a memória, a verdade e a defesa da democracia.
Ivo Herzog, filho de Vladimir – e presidente do conselho do Instituto Vladimir Herzog (IVH), entidade criada em junho de 2009, que atua na preservação da memória do período ditatorial e na promoção dos direitos humanos – denunciou o apagamento da história brasileira perpetuado pela Lei da Anistia, ao perdoar os crimes cometidos por militares, como tortura, assassinato e desaparecimento forçado. “A anistia de 1979, por si só, é uma aberração, porque o regime autoritário da época nunca reconheceu que cometeu crimes. Então, como anistiar quem não cometeu crime?”, questionou. A lei é usada ainda hoje para impedir, por exemplo, que torturadores identificados sejam responsabilizados pelos crimes.
O evento foi encerrado com a exibição de vídeos e a leitura de uma carta de Zora Herzog, mãe de Vladimir Herzog, interpretada pela atriz Fernanda Montenegro. O ato ecumênico contou ainda com o Coro Luther King, que cantou Cálice, de Gilberto Gil e Chico Buarque, ao final do evento. A celebração foi conduzida por Dom Odilo Pedro Scherer, a reverenda Anita Wright – filha de Jaime Wright, e o rabino Ruben Sternschein.
- Presidente do Superior Tribunal Militar, Maria Elizabeth Rocha, em seu forte discurso na Sé, em ato de homenahem a Vlado, onde pediu perdão pelos atos da ditadura. Imagem capturada da TV UOL/Luiza Gabriela dos Santos/UOL
- Fonte: Veja/DCM/UOL