Moraes cita matérias da Fórum que ligam Zambelli e polícia de Tarcísio ao vazamento de mensagens
23 de agosto de 2024 10:02O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), citou duas reportagens da Fórum ao determinar, nesta quinta-feira (22), a apreensão do aparelho celular de seu ex-auxiliar, Eduardo Tagliaferro.
A medida faz parte da investigação que corre no inquérito aberto na segunda-feira (19) para apurar o vazamento de mensagens que resultou em matéria divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo. A Polícia Federal investiga possível crime de violação de segredo funcional e o Moraes é o relator do inquérito que investiga seu ex-auxiliar.
Tagliaferro depôs nesta quinta-feira à Polícia Federal em São Paulo e se negou a entregar seu aparelho celular para a perícia, segundo divulgou a PF. A delegada Luciana Matutino Caires, responsável pela apuração do caso, destacou que é necessária a análise dos arquivos e comunicações que possam estar no celular.
Ao determinar a apreensão do aparelho, Moraes cita as reportagens da Fórum que traçam a possível origem dos vazamentos das mensagens que basearam a tentativa da Folha de criar um “escândalo” sobre sua conduta na condução do inquérito das fake news. As matérias em questão relembravam que, em 2023, o celular de Tagliaferro foi apreendido pela Polícia Civil de São Paulo após ele ser preso por violência doméstica. Após cerca de uma semana, o celular foi devolvido ao ex-assessor.
“Nas referidas publicações, ficou consignado o possível vazamento deliberado das informações, com objetivo de estabelecer uma narrativa fraudulenta relacionada à atuação de servidores”, escreveu Moraes no relatório em que determina a apreensão do celular de Tagliaferro.
O que dizem as matérias da Fórum citadas por Moraes
Uma das matérias da Fórum citadas por Moraes, intitulada “Carla Zambelli e o celular de Tagliaferro, por onde teriam vazado as ‘denúncias’ da Folha contra Moraes”, levanta possibilidades sobre os vazamentos das mensagens que basearam a “denúncia” da Folha de S. Paulo contra o ministro.
A reportagem do jornalista Plínio Teodoro relembra que Tagliaferro foi preso na noite do dia 8 de maio de 2023. Antes de qualquer notícia na mídia, Carla Zambelli divulgou na rede X na manhã do dia 9 de maio que “o assessor de um homem poderoso no Brasil está na delegacia, porque tentou matar a esposa, dando vários tiros dentro de casa ontem à noite”.
“A imprensa está querendo esconder, mas já temos gente nossa na porta da delegacia, esperando ele sair. Mais tarde darei notícias”, diz a publicação da bolsonarista.
Às 9h03 do mesmo dia, Zambelli voltou à tona e publicou uma foto de Tagliaferro dentro do camburão, algemado.
“O xerife das fake News. A pergunta que não sei responder e já fiz um pedido de informações: ele ainda está trabalhando para o ministro Alexandre de Moraes?”, indagou a deputada nas redes.
A Fórum entrou em contato com a assessoria da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), comandada pelo bolsonarista Guilherme Derrite, e indagou se o celular de Tagliaferro havia sido apreendido na ocasião.
A resposta foi evasiva: “O caso citado foi investigado por meio de inquérito policial instaurado pela Delegacia de Caieiras e relatado ao Poder Judiciário em maio de 2023. O autor foi solto no dia seguinte à sua prisão em audiência de custódia. Demais detalhes devem ser solicitados ao Poder Judiciário”.
No entanto, o boletim de ocorrência, datado de 12 de maio – 3 dias após o ocorrido – mostra que o celular do ex-assessor de Moraes foi apreendido.
O iPhone 14 de Tagliaferro foi devolvido no dia 15 de maio. Portanto, o aparelho ficou sob a responsabilidade da Polícia Civil de Tarcísio durante 6 dias.
“Resta saber quem antecipou as informações e forneceu sobre a prisão de Tagliaferro a Carla Zambelli. E o que foi feito com o celular de Tagliaferro, de onde teria partido, um ano e três meses depois, o arquivo repassado à Folha e à Glenn Greenwald no mais novo ataque a Moraes”, diz trecho da matéria destacado por Moraes. Leia a reportagem aqui.
O outro texto da Fórum mencionado por Moraes em sua decisão contra Tagliaferro é do colunista Antonio Mello.
“Folha bota Tarcísio na roda e círculo bolsonarista e golpista se fecha”, diz o título do artigo, que começa com a seguinte pergunta: quem vazou e com que objetivos?
Mello, no texto, faz um compilado de informações que ligam a apreensão do celular de Tagliaferro pela Polícia Civil de São Paulo, citando a participação de Carla Zambelli na trama, ao vazamento de mensagens do TSE e, finalmente, a matéria da Folha de S. Paulo que tenta criar um “escândalo” contra Moraes. Leia a íntegra aqui.
Inquérito
A nova apreensão do celular de Tagliaferro e a citação às matérias da Fórum fazem parte do inquérito aberto por Alexandre de Moraes para apurar os vazamentos que deram origem à matéria da Folha de S. Paulo que questiona sua atuação frente ao inquérito das fake news.
Ao abrir a investigação, Moraes afirma que os vazamentos “se revelam como novos indícios da atuação estruturada de uma possível organização criminosa que tem por um de seus fins desestabilizar as instituições republicanas”.
“Essa organização criminosa, ostensivamente, atenta contra a Democracia e o Estado de Direito, especificamente contra o Poder Judiciário e em especial contra o Supremo Tribunal Federal, pleiteando a cassação de seus membros e o próprio fechamento da Corte Máxima do País, com o retorno da ditadura e o afastamento da fiel observância da Constituição Federal”, pontuou o ministro.
Na matéria em questão, o periódico paulistano afirma que ministro agiu “fora do rito” ao requisitar relatórios da Corte eleitoral sobre investigados no inquérito das fake news com o objetivo de embasar suas decisões no Supremo. Apesar de a reportagem em momento algum utilizar a palavra “ilegal”, fica claro, no texto, que o objetivo é sugerir que Moraes tivesse agido à margem da lei ou às escondidas para “perseguir” bolsonaristas.
A reportagem utiliza como base diálogos vazados por uma “fonte interna” entre assessores do gabinete de Moraes e assessores do TSE, tratando sobre informações e relatórios solicitados pelo ministro entre o final de 2022 e o início de 2023, quando Moraes presidia o TSE, sobre pessoas que estariam promovendo ataques à Justiça brasileira e divulgando notícias falsas no âmbito da tentativa de golpe de Estado registrada no Brasil naquele período. Juristas e outros ministros do STF, entretanto, afirmam que não há nada de ilegal na conduta de Moraes exposta pelo jornal paulistano.
Nas conversas reveladas pela Folha um nome é recorrente: Eduardo Tagliaferro, engenheiro e perito de crimes cibernéticos de sua confiança, alçado por Moraes à chefia da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em agosto de 2022.
Tagliaferro vem sendo o considerado o principal suspeito de ter vazado as mensagens em questão. Após Moraes abrir o inquérito para apurar o vazamento das conversas, o ex-assessor foi intimado pela Polícia Federal (PF) a prestar depoimento nesta quinta-feira (22).
Tagliaferro foi detido por violência doméstica contra a esposa no dia 8 de maio de 2023 em Caieiras, região metropolitana de São Paulo. Durante a prisão, a arma com que ele havia disparado foi apreendida. O celular dele também ficou 6 dias sob a responsabilidade da polícia de Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos).
Como a Fórum antecipou, Moraes suspeita que ex-assessor vazou as conversas justamente para se vingar de sua demissão da AEED. No dia 9 de maio, um dia após a prisão, Tagliaferro foi exonerado por Moraes “devido sua prisão em flagrante por violência doméstica e aguardará a rigorosa apuração dos fatos”. Contrariado, Tagliaferro argumentou à polícia “que jamais colocaria a integridade da família em risco” e que o disparo da arma durante a agressão à esposa teria sido acidental. E nunca retornou à assessoria do TSE.
Ao jornal O Globo, Tagliaferro levantou suspeitas sobre o governo Tarcísio dizendo que “conforme consta em documentos oficiais, seu aparelho celular foi indevidamente apreendido, ficou em posse da Polícia Civil por seis dias e, quando devolvido, ele não acompanhou a dita deslacração do telefone”. Segundo o ex-assessor de Moraes outro fato importante, ainda desconhecido, é que seu celular foi apreendido em uma delegacia e devolvido em outra.
Ele afirmou ainda que “conforme vem sendo dito pelo excelentíssimo ministro Alexandre e desembargadores com quem trabalhou, não se preocupa com o teor das mensagens que eventualmente tenham sido obtidas de seu telefone”.
Foto de capa: Carlos Moura/SCO/STF/Flickr
Reprodução/Revista Fórum