Israel x Hezbollah: explosão de pagers pode ser crime de guerra e terrorismo, diz analista
23 de setembro de 2024 09:13O jornalista especializado em temas ligados ao Direito Internacional Humanitário, ou Direito Internacional dos Conflitos Armados, João Paulo Charleaux, publicou na Folha de S.Paulo um artigo destacando que a explosão de pagers no Líbano, supostamente atribuídas a Israel, pode ser configurada como crime de guerra e terrorismo. Para ele, a ação contra o Hezbollah fere princípios de distinção de civis e de proporcionalidade:
Embora a detonação de centenas de pagers e de walkie-talkies no Líbano tenha chamado mais a atenção por sua audácia, engenhosidade e ineditismo, é possível que os objetos escolhidos para levar a cabo essa ação, assim como o método empregado e seus resultados, configurem crimes de guerra, incluindo terrorismo.
Em conflitos armados como o que se desenrola entre Israel e o Hezbollah, os meios e métodos escolhidos pelos beligerantes para atingir seus objetivos militares não são ilimitados; eles estão condicionados a uma série de princípios legais, dentre os quais destacam-se o de distinção e de proporcionalidade.
Esses princípios têm valor consuetudinário —ou seja, são normas costumeiras e arraigadas, de aceitação universal, que devem ser respeitadas tanto por atores estatais quanto não estatais, em conflitos que sejam legais ou ilegais, do ponto de vista da Carta da ONU; e nem mesmo a violação dessas normas por parte de um dos lados desobriga o outro lado de cumpri-las. (…)
A detonação de pagers e de walkie-talkies pode violar o princípio de distinção de duas maneiras: primeiro, porque esses utensílios são de natureza civil, ainda que possam ser adquiridos e usados por combatentes do Hezbollah.
Depois, o método de detonação —remota, simultânea, indiscriminada, sem verificação visual do alvo— não oferece garantia de que a pessoa atingida será um combatente, não um civil. Então, do ponto de vista dos meios escolhidos (utensílios civis) e do método (detonação remota e sem aferição do alvo), há um problema legal, evidenciado pelo fato de que pelo menos duas crianças morreram nessa ação.
O segundo princípio que parece ter sido violado é o da proporcionalidade, segundo o qual o dano colateral causado aos civis e aos bens civis numa operação específica e pontual não pode ser excessivo em relação à vantagem militar obtida.
Para cada membro do Hezbollah atingido, quantos civis foram mutilados ou mortos por estarem usando esses aparelhos ou por estarem próximos a quem os utilizava? Essa é uma norma subjetiva; ela não traz números nem percentuais de civis mortos por combatentes neutralizados, mas contém a advertência de que a balança deve pesar em favor da proteção dos civis —ou seja, não se pode optar simplesmente por matar centenas ou milhares de civis sob o argumento de que é provável que alguns combatentes acabarão morrendo também. Esse é um dano excessivo e desproporcional. (…)
Por fim, essa ação preenche requisitos da definição de terrorismo: atos que têm por objetivo semear entre a população o temor de que qualquer um, a qualquer momento e em qualquer lugar possa ser vitimado por ataques indiscriminados que tenham por objetivo promover uma pauta e obrigar alguém —um país, um governo, um grupo— a agir ou a deixar de agir de uma determinada forma.
Desse ponto de vista, não faz diferença se as mortes estão sendo causadas por explosivos colocados em caminhões, em pessoas ou em pagers e walkie-talkies usados nas ruas, no mercado ou no transporte público.
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Reprodução/Diário do Centro do Mundo