Bets invadem salas de aula no DF e governo estuda medidas para conter o vício em alunos

30 de setembro de 2024 17:10

Diante do cenário de preocupação com os jogos de apostas esportivas, a Secretaria de Estado de Educação do DF (SEEDF) iniciou ações para interromper a prática nas salas de aula da rede pública. Isto porque, a pasta identificou que adolescentes e jovens têm usado a escola e os horários de estudo para fazer apostas em plataformas on-line, também chamadas de bets.

Uma das medidas da SEEDF é a orientação aos professores a seguirem rigorosamente a Lei 4131/2008, que proíbe o uso de celulares e de outros aparelhos eletrônicos em salas de aula de escolas públicas e privadas do DF.

“O vício nesses jogos interfere na aprendizagem e retira dos alunos a capacidade de socialização. Nós vamos precisar trabalhar isso junto ao Consed [Conselho Nacional de Secretários da Educação], porque a gente precisa debater o que deve ser feito para que isso seja impedido”, declarou a secretária de Educação, Hélvia Paranaguá.

Hélvia disse que a preocupação será apresentada ao governador Ibaneis Rocha e que, se necessário, bloqueadores de celulares poderão ser instalados nas escolas. “Nós vamos fazer um trabalho junto aos pais para que entendam que não há necessidade de levar o celular à escola. Será um trabalho com a comunidade escolar, gestores e famílias”, enfatizou.

Ainda segundo a secretária de Educação do DF, o governo obteve a informação de que há estudantes utilizando de benefícios sociais para apostar nos jogos. É o caso do programa Pé-de-Meia, do Ministério da Educação, em que estudantes do ensino médio recebem, ao comprovar matrícula e frequência, o pagamento mensal de R$ 200. O benefício pode ser sacado em qualquer momento. “Nós estamos preocupadíssimos porque os alunos têm acesso à poupança e estão aplicando esse dinheiro nos joguinhos”, relatou. 

Especialistas e entidades se manifestam

De acordo com Alessandra Araújo, psicóloga especialista em atendimento clínico de adolescentes e adultos, as bets são mesmo um motivo para preocupação. “Como estão em fase de desenvolvimento, eles [crianças e adolescentes] são mais vulneráveis a comportamentos impulsivos e podem acabar desenvolvendo vícios. As apostas oferecem recompensas rápidas que estimulam o prazer imediato, mas podem criar um ciclo de compulsão, afastando os jovens de atividades importantes como os estudos e relações sociais”, apontou. 

Dentre os efeitos negativos que a especialista cita estão a frustração, a baixa autoestima, a ansiedade e os sintomas de depressão. “As apostas podem normalizar comportamentos de risco, levando os jovens a encarar atividades perigosas como algo comum. Isso pode abrir espaço para outros problemas, como uso de substâncias ou impulsividade”, reforçou Alessandra. 

A diretora do Sindicato dos Professores no DF (Sinpro-DF) Márcia Gilda informou que a demanda ainda não foi recebida pela associação, mas reforçou que a entidade “sempre se posicionará contra tudo aquilo que comprometa o processo pedagógico, além de buscar o debate com a sociedade”. 

A presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino no Distrito Federal (Sinepe-DF), Ana Elisa Dumont, disse que os colégios não têm como controlar o acesso às bets porque os equipamentos que os estudantes usam são entregues pelos pais. “Porém, cabe às escolas trazer para esses estudantes a análise crítica do que é importante, benéfico, saudável e as consequências das escolhas dos acessos que fazem. O que tem acontecido em alguns desses centros de ensino no DF é a limitação de celulares em sala de aula por prejudicar a atenção e o envolvimento dos alunos durante as classes”, ressaltou.

O diretor jurídico do Sindicato dos Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino no DF (Sinproep-DF), Rodrigo de Paula, apontou que a preocupação ocorre principalmente em relação ao vício. “Nós temos trabalhado a educação financeira em várias escolas e acredito que, após a divulgação da quantidade de pessoas que estão apostando nessas plataformas, o tema receberá um olhar diferenciado.”

A Associação de Pais e Alunos das Instituições de Ensino do Distrito Federal (ASPA-DF) declarou aflição, por meio de nota, e enfatizou que o sistema educacional precisa regular o uso do celular no ambiente escolar. “É fundamental que haja uma diretriz clara e unificada para toda a rede de ensino, a fim de garantir que os dispositivos não se tornem um canal de distrações ou piora na qualidade da aprendizagem dos alunos.” 

Patologia 

Segundo Lucas Benevides, médico psiquiatra e professor de medicina no Centro Universitário de Brasília (Uniceub), o vício em bets pode ser considerado uma patologia, categorizado como um transtorno de jogo, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). Quando avançado, o vício exige tratamento. 

“Os cuidados podem incluir combinação de terapias psicológicas, suporte de grupos de ajuda e, em alguns casos, medicação. A terapia cognitivo-comportamental é comumente usada para ajudar o indivíduo a modificar pensamentos e comportamentos relacionados ao jogo, aprender a gerenciar impulsos, e lidar com problemas associados ao vício. Em casos específicos, medicamentos podem ser prescritos para tratar problemas subjacentes que podem contribuir para o vício, como depressão ou transtornos do espectro bipolar”, explicou o especialista. 

A psicóloga Amanda Andrade, do Grupo Mantevida, sinalizou aos pais que estabelecer um relacionamento de confiança com os filhos é essencial para abrir diálogos sobre comportamentos de risco, tanto à saúde mental quanto à financeira. “Os sinais podem variar de acordo com o padrão comportamental de cada criança ou adolescente. É importante observar mudanças repentinas em comparação ao comportamento normal.”

Educar para tratar 

Para o economista Newton Marques, a educação financeira deve ser pensada como uma das principais bases para resolver o problema. “As mídias atraem porque mostram que há uma chance de se ter ganho fácil e, por ‘deseducação financeira’, os jovens passam a questionar a necessidade de estudar, uma vez que podem ficar ricos a partir daquilo.” 

O especialista ressaltou, porém, que o trabalho deve ser estendido aos pais. “Não adianta ensinar aos alunos na escola se em casa os pais não vão entender. Eu costumo dizer que esse é um trabalho de formiguinha, que leva tempo.”, completou. 

A secretária de Educação afirmou que a educação financeira faz parte da grade curricular dos estudantes do DF há, pelo menos, cinco anos. “Nós temos uma parceria com o Banco Central; isso é trabalhado com os alunos a partir da escola classe, que são os anos iniciais. Os alunos têm consciência plena do que é educação financeira”, apontou Hélvia Paranaguá. 

A psicóloga Amanda Andrade destacou que ações educativas nas escolas desempenham um papel essencial. “Devemos entender que o celular, jogos e as redes sociais fazem parte do crescimento do adolescente. Não existem só lados negativos. Em vez de proibir o uso de celulares e videogames, é necessário educar para que desenvolvam um relacionamento equilibrado com a tecnologia, sabendo controlar o tempo e o uso dessas ferramentas sem prejudicar o desenvolvimento pessoal e acadêmico”, relatou.  

Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

Com informações do Correio Braziliense

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