CIDADE PERDIDA

15 de janeiro de 2020 17:34 | Publicado por Leandro Fortes

Hoje, faz 30 anos, cheguei em Brasília.

A cidade era, então, ainda um esboço em progresso, assim como eu, aos 23 anos, em pé na plataforma da antiga rodoferroviária, um subsolo venenoso de óleo diesel e monóxido de carbono.

Era um dia lindo, como hoje, de sol e céu azul, mas havia mais fúria em tudo que dali, vencida a plataforma superior, se via: o Planalto Central ainda íntegro, um vento fresco que circulava sem a interferência das gentes e dos prédios que, nos anos seguintes, iriam sufocar a paisagem.

Comigo, uma mala de poucas roupas, um violão e uma máquina de escrever, companheira dos anos de faculdade de jornalismo, na Bahia. Está comigo, até hoje.

Sonhos aos montes.

Brasilienses, se existiam, deles quase não se tinha notícia. Eram crianças, em sua maioria, ainda batendo bola nos blocos do Plano Piloto ou nas ruas empoeiradas das cidades satélites – estas, umas poucas, ainda separadas da capital por longas linhas de mata e solidão.

Éramos todos forasteiros, nas redações. A cidade nos abrigava em grupos, ressentida, sem identidade, mas plural e democrática.

Não havia sido tomada, ainda, por essa estirpe reacionária de servidores públicos, tristes concurseiros, essa caricatura de elite liberal que odeia a cidade e o País.

Essa gente horrível, verde e amarela, que substituiu a outra, daqueles dias, alegre, anárquica e cheia de projetos de vida.

Brasília era, então, um porto de chegada.

Tem dias em que acordo e, alheio às notícias de trânsito e turbulência, tenho a sensação de ainda estar naquela velha cidade em que cheguei, prestes a completar, então, 30 anos de construída.

Mero devaneio.

Brasília é a minha casa, a dos meus três filhos, todos brasilienses, dos muitos amigos que fiz. Sou grato por estar aqui.

Mas, cada vez mais, é uma lembrança distante daquela manhã iluminada que banhou de sol e alegria as ilusões de um jovem candango febril.

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