Jornalista brasileira em Portugal ameaçada de morte por extremistas de direita. MP investiga

1 de outubro de 2025 16:37

A jornalista Stefani Costa, do Ópera Mundi, do Jornalistas pela Democracia e da plataforma UOL, tem sido ameaçada de morte por xenófobos beirando a psicopatia da, aparentemente, crescente extrema-direita portuguesa – microcosmo do preconceito generalizado contra estrangeiros na Europa. Ela já denunciou o caso às autoridades portuguesas e pediu ajuda ao consulado e à embaixada do Brasil em Portugal. O Ministério Público local investiga. A coisa é tão séria que a Comissão Europeia pediu que Portugal adote medidas mais firmes contra o discurso de ódio online, que tem imigrantes como um dos principais alvos.

O réu, que chegou a ser preso e depois solto, é o português João Paulo Silva Oliveira, que – pasmem! – ofereceu 500 euros por cabeça de brasileiro decapitado. O MP diz que acatou as denúncias contra o réu, por apologia à violência e estímulo a assassinatos, e que as investigações sobre os possíveis crimes cometidos por ele estão em andamento. O processo corre em segredo de Justiça.

João Paulo foi preso na segunda-feira, 08/09, pela Polícia Judiciária e liberado no dia seguinte. Ele, que já tem antecedentes por crimes contra o patrimônio, está proibido de acessar as redes sociais. Caso desobedeça a ordem da Justiça, poderá ser preso preventivamente. A pedido do Ministério Público, o caso está sendo conduzido pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Santa Maria da Feira, em Aveiro. João Paulo terá de se apresentar periodicamente à polícia. Por que não seguiu encarcerado? Pergunte às autoridades portuguesas.

O inquérito aberto pelo Ministério Público teve origem em uma série de denúncias contra João Paulo, sendo a mais robusta delas uma queixa-crime assinada por 39 advogados. No documento encaminhado ao MP, os profissionais do direito pediram: instauração imediata de inquérito criminal; aplicação de medidas de coação adequadas, incluindo a proibição de publicar conteúdos de ódio e de manter contato com cidadãos brasileiros; e responsabilização criminal exemplar do denunciado.

Depois disso, ela foi ameaçada de morte por outro extremista de direita, Bruno Silva. Bruno diz, sem medir as palavras e consequências: “Estou a oferecer um dos meus apartamentos no centro de Lisboa, avaliado em média em 300 mil euros, a quem realizar um massacre e exterminar pelo menos 100 brasileiros em Portugal, e darei um bônus adicional de 100 mil euros a quem me trouxer a cabeça de Stefani Costa”, escreveu Stefani Costa, que explica. “Depois que eu noticiei (o caso do João Paulo), eu entrei na minha rede social X e me deparei com a mensagem (do Bruno Silva) oferecendo dinheiro, uma recompensa, pela minha cabeça. E ele marcou a minha arroba, o meu nome. Ou seja, foi uma ameaça pública”, afirma Stefani Costa, que vive e trabalha em Lisboa. Ela já denunciou o caso às autoridades portuguesas.

Ameaças contra a vida e xenofobia de extrema-direita

Para os advogados, as palavras proferidas, que viralizaram na internet, “são imorais, indecentes, perigosas, carecendo de imediata intervenção do Ministério Público para a salvaguarda da ordem pública e da dignidade humana”.

Na avaliação deles, o cidadão que oferece dinheiro para a decapitação de brasileiros pode ser enquadrado em vários crimes previstos no Código Penal: homicídio na forma de incitamento (artigo 131); ameaça por meio de declarações com caráter intimidatório contra uma comunidade (artigo 153); discriminação e incitamento ao ódio e à violência em razão da nacionalidade (artigo 240); apologia pública ao crime (artigo 298); e terrorismo (artigos 311 a 316).

No vídeo, publicado em seu TikTok, João Paulo exibe uma nota de 500 euros e diz: “Cada português que trouxer a cabeça de um brasileiro, desses zucas que vivem aqui em Portugal, estejam legais ou ilegais, cada cabeça que trouxer, cortada rente no pescoço, eu pago 500 euros por cabeça”.

A advogada Ana Paula Filomeno diz que o Ministério Público vai levantar, a partir de agora, todos os atos praticados por João Paulo antes da publicação do vídeo. “Ainda não fomos notificados pelo Ministério Público sobre a abertura de inquérito contra esse denunciado. Há a possibilidade de sermos constituídos assistentes de acusação”, explica.

Também integrante do grupo de advogados autores da queixa-crime contra João Paulo, Catarina Zuccaro acredita que a punição do denunciado deve ser exemplar, para que os crimes cometidos por ele não se repitam. “Estamos falando de um crime de ódio. É preciso que esse tipo de atitude seja combatido com veemência. Discursos de ódio não podem ter lugar em uma sociedade democrática e civilizada”, sublinha. Ela lembra que, mesmo depois de divulgar o vídeo em que incita a violência contra brasileiros, João Paulo continuou atacando a comunidade pelas redes sociais.

Assim que o vídeo gravado por João Paulo se espalhou, a Padaria Variante, que fica em Romariz, Aveiro, o demitiu. O estabelecimento alegou que não aceita nem compactua “com qualquer forma de racismo”. Antes de trabalhar nesta padaria, o português passou por uma pastelaria de Viseu. Uma funcionária da loja se disse chocada com o vídeo: “Ficamos estarrecidos quanto tomamos conhecimento. Felizmente, ele já não trabalha aqui há um tempo”, ressalta ela.

Stefani: esse tipo de ameaça é normalizado, todos se tornam reféns

A jornalista ressalta que não irá se intimidar diante das ameaças, e acredita que deve haver uma mobilização das autoridades para que se avance na aprovação de uma lei que puna, com rigor, os crimes de ódio em Portugal. “Acredito ser fundamental expor essa situação, pois ela representa também uma afronta ao exercício do jornalismo e à liberdade de imprensa”, frisa.

Para Stefani, quando esse tipo de ameaça é normalizado, todos se tornam reféns. “Por isso, é importante que os brasileiros se organizem cada vez mais e cobrem das autoridades portuguesas medidas concretas contra a xenofobia e o racismo. O mesmo vale para o governo brasileiro, que tem acompanhado de perto o aumento da violência contra imigrantes em Portugal”, afirma.

Ela acrescenta, ainda, que imigrantes como ela construíram vidas no país. “Contribuímos para o desenvolvimento de Portugal e fazemos parte da sociedade. Por isso, merecemos ser tratados com respeito e dignidade”, reforça. O advogado Camillo Júnior, que representa a jornalista, diz que o que se sabe até agora é que o extremista responsável pelo perfil Bruno Silva nas redes vive em Vila Real, no Norte de Portugal.

Nota oficial

Em nota oficial, a Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal (AIEP) repudiou as ameaças de morte feitas, por meio das redes sociais, à correspondente do Ópera Mundi. “A AIEP cobrará das autoridades portuguesas que ajam com rigor no sentido de coibir esses ataques a jornalistas e a quaisquer cidadãos, independentemente de sua origem, raça ou credo. Em uma nação democrática, que preza pelos valores humanistas, não pode haver espaço para a intolerância”, assinala.

Para a associação, os jornalistas não devem se intimidar diante dos intolerantes. “O jornalismo sério é ferramenta vital para enfrentar a onda de desinformação. Portugal, segundo estudo do Observatório Europeu dos Meios de Comunicação Digitais (EDMO), que faz o monitoramento mensal dos temas usados pelos disseminadores de conteúdos falsos, tornou-se o epicentro de fake news da Europa quando o tema é a imigração”, complementa a nota da AIEP.

  • A jornalista brasileira Stefani Costa vem sendo ameaçada de morte por extremista de direita em Portugal. MP vai investigar. Foto: Arquivo Pessoal.
  • Fonte: O Púublico (Portugal)

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