Conselho da Paz norueguês recusa organizar cortejo do Nobel por discordar de prêmio para trumpista que apoia invasão da Venezuela

25 de outubro de 2025 18:23

O Conselho de Paz norueguês, entidade que agrega 17 organizações pacifistas norueguesas e cerca de 15.000 ativistas, declarou que se recusa a organizar cortejo do Nobel, tradição de desfile de tochas (uma marcha com tochas) em honra do Prêmio Nobel da Paz em Oslo, para a laureada deste ano, a venezuelana Maria Corína Machado porque os seus membros “não sentem que a laureada deste ano esteja alinhada com os valores fundamentais do Conselho de Paz norueguês e dos seus membros”.

“É uma decisão difícil, mas necessária. Temos um grande respeito pelo Comitê Nobel e pelo Prêmio da Paz como instituição, mas, como organização, temos de ser fiéis aos nossos princípios e ao amplo movimento pela paz que representamos. Esperamos celebrar novamente o prémio nos próximos anos”, indicou a presidente do Conselho da Paz norueguês, Eline H. Lorentzen, num comunicado.

“Alguns dos seus métodos não estão em consonância com os nossos princípios e valores e os das nossas organizações membros, como a promoção do diálogo e de métodos não-violentos”, disse também Lorentzen.

Imagem do desfile de tochas – em norueguês “torchlight procession” — organizado em honra dos laureados do Nobel da Paz. O percurso costuma começar perto do Nobel Peace Center em Oslo e terminar na frente do Grand Hotel, onde os laureados acenam do balcão. María Corina não vai ter. Foto: Jo Straube

A líder da oposição venezuelana, María Corina Machado, foi distinguida a 10 de outubro deste ano com o prémio Nobel da Paz “pelo seu trabalho incansável na promoção dos direitos democráticos do povo venezuelano e pela sua luta para alcançar uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia” no país latino-americano, segundo a decisão do Comité Nobel norueguês. Ela, que dedicou o Nobel ao presidente norte-ameriano Donald Trump, luta justamente pela invasao do seu país por forças norte-americanas e deposição de seu adversário político, o presidente Nicolás Maduro.

A escolha de Machado foi apoiada pelos principais partidos políticos noruegueses, embora dois dos aliados externos do Governo trabalhista, o Partido da Esquerda Socialista (o quarto maior) e o Partido Vermelho (o sexto maior), se tenham mostrado críticos.

O chamado cortejo de tochas pelo centro de Oslo, até ao hotel onde está alojado o vencedor do galardão, é um dos pontos altos do programa de cerimónias do Nobel da Paz, que é entregue a 10 de dezembro, embora não seja organizado pelo Instituto Nobel norueguês.

As suas origens remontam a 1954 e é tradicionalmente organizado pelo Conselho da Paz norueguês, uma das mais importantes entidades para o processo de pacificação neste país nórdico, embora já anteriormente tenha recusado essa responsabilidade, como em 2012, quando a União Europeia foi a vencedora.

A Aliança Norueguesa de Justiça Venezuelana, uma organização não-governamental (ONG) norueguesa que trabalha “pela liberdade, a democracia e os direitos humanos” na Venezuela, anunciou que assumirá a organização do cortejo deste ano.

O vencedor do Prémio Nobel da Paz é escolhido pelo Comitê Nobel norueguês, composto por cinco pessoas nomeadas pelo parlamento da Noruega a cada seis anos, de acordo com a correlação de poder naquela câmara.

O Instituto Nobel norueguês ainda não anunciou se María Corina Machado, que vive na clandestinidade na Venezuela, por motivos de segurança, poderá viajar para Oslo para receber o prémio.

Sinais de que Donald Trump pretende invadir Venezuela

À medida que as tensões entre os Estados Unidos e a Venezuela se elevam, uma série de ações e declarações da administração Trump vem suscitando o temor de que o país esteja se preparando para uma intervenção militar — ou mesmo uma invasão — sob o pretexto de combate ao narcotráfico e à “ameaça” venezuelana. Embora não haja, até o momento, confirmação de que uma invasão em larga escala esteja em curso, os indícios de uma escalada militar e política são suficientemente expressivos para alarmar analistas em Washington, Caracas e além.

Nas últimas semanas, os EUA aumentaram significativamente sua presença militar no Caribe, especialmente próxima às águas venezuelanas. Segundo relatório da revista The New Yorker, oito navios de guerra e um submarino foram posicionados na região, e aproximadamente dez mil tropas teriam sido deslocadas para bases nas proximidades.

Com capacidade para 5 mil pessoas e 90 aeronaves, este é o ‘letal’ USS Gerald Ford, maior porta-aviões do mundo que Trump usa para pressionar Maduro. Fonte: Governo do EUA

Paralelamente, ataques a lanchas suspeitas de tráfico saíram às luzes públicas — com pelo menos sete embarcações destruídas no Caribe desde maio de 2025, conforme apurou a publicação. Os alvos desses ataques estavam, segundo o governo dos EUA, “transportando drogas para os Estados Unidos” — um discurso que a maior parte dos especialistas vê como cobertura para um propósito mais amplo.

Em ambiente diplomático, a retórica de Trump mudou de intervenção diplomática para confronto direto. O regime de Nicolás Maduro foi rotulado repetidamente como um “narco-estado”, e o próprio Trump declarou que agora os EUA “estão olhando para terra” após controlar as rotas marítimas de tráfico vindas da Venezuela.

Ao mesmo tempo, a administração norte-americana autorizou a agência CIA a realizar operações encobertas em território venezuelano — um movimento que transpõe o limite entre missão antinarcóticos e intervenção militar.

Reação venezuelana

Caracas, por sua parte, manifestou grande preocupação. Segundo reportagem do The Guardian, autoridades venezuelanas intensificaram exercícios de defesa civil e militares de prontidão diante da “ameaça de invasão” — com o prefeito de Caracas declarando que “se eles ousarem invadir, estaremos preparados” O governo de Nicolás Maduro, na Venezuela, tem articulado uma resposta vigorosa à crescente pressão militar e diplomática dos Estados Unidos, apresentando-se em modo de “defesa total” da soberania nacional.

Maduro, da Venezuela, diz que comportamento dos EUA, resiste como pode: denuncia ao mundo, quase calado, inclusive ONU, iminente “agressão” de Trump e afirma que comunicações foram amplamente cortadas. Foto: Leonardo Fernandez Viloria/Reuters

Em pronunciamento recente, Maduro declarou que seu país se encontra em “máxima preparação” para responder a qualquer agressão externa, sobretudo após a mobilização de forças navais norte-americanas no Caribe — ele qualificou esse desdobramento como “uma ameaça absoluta, injustificável, imoral e criminal”.

Tropas de Forças Especiais e Armamento, ou FANB, refundada por Maduro com os princípios do Libertador Simón Bolívar e “em seus princípios anticoloniais originais, porque este exército de libertadores nasceu para destruir o exército colonialista que dominou nossa América por 300 anos”. Fonte: Governo da Venezuela

Na esfera diplomática, Caracas acusou Washington de traição dos canais de comunicação intergovernamentais, afirmando que as recentes operações se configuram não como “tensões” comuns entre países, mas como uma agressão multiforme — jurídica, política, diplomática e militar — contra a Venezuela. “As comunicações com o governo dos EUA foram jogadas fora por eles, junto com suas ameaças de bombas, de morte e de chantagem”, disse Maduro.

Como parte dessa linha de defesa, o país apresentou queixas formais no âmbito internacional, denunciando ataques extrajudiciais a embarcações venezuelanas no Caribe e solicitando investigações junto às Nações Unidas

Internamente, as autoridades venezuelanas buscaram mobilizar a população e as Forças Armadas para o que definem como uma “guerra de toda a nação”. Maduro afirmou estar pronto para decretar estado de emergência caso ocorra uma ação militar dos EUA em solo venezuelano ou em sua zona econômica.

A Milícia Bolivariana da Venezuela, oficialmente integrada como o quinto componente da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB), foi criada para funcionar como uma força de reserva e mobilização popular, com o objetivo declarado de defender o país de ameaças externas ou internas, segundo legislação venezuelana.

Milícia Bolivariana participando do desfile em comemoração aos 213 anos da Independência do país, em um importante ato que aconteceu no Paseo Los Próceres. Fonte: Site oficial da Milícia Bolivariana

Embora tenha origens anteriores, a estrutura ganhou importância sob o governo de Nicolás Maduro, que em 2025 anunciou um alistamento em massa, informando que 8,2 milhões de venezuelanos haviam sido registrados como milicianos ou reservistas.

Contudo, os números oficiais são objeto de debate e houve múltiplas versões. Em agosto de 2025, foi anunciado o mobilização de cerca de 4,5 milhões de milicianos em resposta a um suposto desdobramento militar dos EUA no Caribe.

Segundo a própria entidade ou o governo, o número pode chegar a 8 milhões ou mais, como o dado de 8,2 milhões citado acima. Essa discrepância indica que os valores podem refletir mais um cálculo simbólico/político de mobilização popular do que um contingente operacional tradicional, com efetivo militarmente treinado e equipado.

Paralelamente, foram lançados apelos à milícia nacional, solicitando à classe trabalhadora e aos setores populares que se preparem para defender o território, com mobilização em fronteiras e na zona costeira.

Ao mesmo tempo, a retórica do governo repete a acusação de que os EUA tentam impor uma mudança de regime sob o pretexto de combate ao narcotráfico. Maduro denunciou que os ataques a embarcações atribuídas ao tráfico – que, segundo Washington, partiram da Venezuela – são, na sua visão, “execuções extrajudiciais” que violam o direito internacional e que servem como prelúdio para intervenção mais ampla.

Assim, a reação venezuelana se caracteriza por três vetores principais: fortalecimento militar e mobilização popular, denúncia diplomática internacional e narrativa de resistência ao que considera imperialismo externo.

Nesse cenário, o governo venezuelano deixa claro que considera qualquer ação americana além do combate ao narcotráfico como linha vermelha — e está se posicionando para responder de forma imediata, com todos os meios institucionais e civis que julga disponíveis. Ao mesmo tempo, o estilo adotado busca articular uma resposta simbólica, reforçando seu papel como defensor da soberania nacional frente a uma potência externa.

  • “Alguns dos seus métodos não estão em consonância com os nossos princípios e valores e os das nossas organizações membros, como a promoção do diálogo e de métodos não-violentos”, disse o Conselho de Paz norueguês sobre a laureada deste ano, a venezuelana Maria Corína Machado
  • Fonte: CNN Portugal

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