
Plano de contingência analisará caso a caso, como regulação de big techs, minerais críticos e política de data centers
8 de agosto de 2025 09:55Com o plano de contingência já sobre a mesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, agora a equipe econômica analisa a situação de cada empresa exportadora para tentar delimitar o máximo possível a extensão das medidas desenhadas para reduzir os efeitos do tarifaço de 50% anunciado pelos Estados Unidos contra os produtos brasileiros. A expectativa é que o plano seja apresentado até terça-feira.
Em outra frente, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, sinalizou um possível caminho para a negociação bilateral: a regulação das big techs, o acesso a minerais críticos e a política de data centers.
O Valor apurou que as medidas do plano ainda estavam sendo definidas e calculadas na tarde de quinta-feira (7). Trabalhava-se, inclusive, na determinação do impacto fiscal: não havia definição, por exemplo, quanto ao volume de crédito a ser ofertado ou se o programa Reintegra, que dá crédito tributário a exportadores, será expandido para atender as empresas afetadas.
A definição é demorada porque o governo avalia a situação de cada exportadora para definir qual medida de apoio adotar, ou seja, CNPJ por CNPJ. Um relatório com o impacto do tarifaço por empresa foi elaborado pelo Mdic e estava ontem em análise no Ministério da Fazenda.
Uma fonte informou ao Valor que o Reintegra, por exemplo, ainda não estava confirmado nem descartado do conjunto inicial de medidas.
“Não temos ainda o cálculo do impacto ou a delimitação de quem poderia ser beneficiado.”
O Reintegra é de 0,1% para empresas médias e grandes e de 3% para as micro e pequenas. O pleito da indústria é fixar 3% para todos. O tema foi levantado em reunião de Alckmin com o presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira.
“Está sendo estudada uma ampliação do Reintegra, que é muito importante para empresas que exportam para o mercado americano”, disse o executivo.
Outro interlocutor de Alckmin avaliou que o Reintegra está bem cotado para integrar as medidas iniciais. Havia, porém, indefinições quanto a critérios de escolha das empresas beneficiadas. Também pareceu bem posicionada a proposta de flexibilizar as operações de drawback, dando mais prazo para as empresas beneficiadas efetuarem suas exportações.
O drawback permite a suspensão da cobrança de tributos sobre itens importados para compor produtos destinados ao mercado externo.
As sutilezas na definição de quais empresas precisarão de apoio do governo foram citadas pelo vice-presidente. Ele comentou que no setor de pescados a tilápia vai para o mercado interno, e o atum, para o externo. Assim, há diferenças dentro de um mesmo setor. As medidas vão beneficiar as empresas que têm “exportação maior e exportação maior [também] para os EUA”, disse.
Alckmin explicou que o governo atua em duas frentes: o plano de contingência, para garantir emprego e a atividade produtiva, e o esforço pela negociação, para excluir o máximo possível de produtos do tarifaço. Atualmente, cerca de 38% dos produtos exportados pelo Brasil aos EUA estão enquadrados na tarifa de 50%.
Alckmin também recebeu o encarregado de negócios da Embaixada dos EUA no Brasil, Gabriel Escobar. Disse ter reiterado os argumentos do Brasil contrários ao aumento de tarifas e ter oferecido diálogo para outros temas não tarifários, como regulação das big techs, acesso a minerais críticos e política de data centers.
“É ruim para os Estados Unidos, encarece produtos americanos, rompe cadeias produtivas, traz insegurança jurídica”, listou a jornalistas.
Escobar também esteve ontem no Congresso. Alckmin ressaltou a importância de envolver o setor privado dos dois lados. Na quarta-feira, ele recebeu o presidente da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil), Abrão Neto, e de fato essa estratégia já está em curso: como mostrou o Valor, a Amcham vai atuar junto com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) para intensificar contatos em Washington.
Entre as medidas ventiladas até agora, estão a criação de linhas de crédito, a aquisição de alimentos para programas como merenda escolar e alimentação em presídios, medidas de apoio ao emprego e a possível expansão do Reintegra.
Nos bastidores, há cuidado para evitar que as medidas tragam impacto para as contas públicas, sobretudo nas contas primárias (receitas menos despesas, exceto gastos com juros), que são a referência para a meta de resultado fiscal. Por isso, a expansão do Reintegra é algo encarado com cautela. Já a oferta de crédito preocupa menos, exceto se envolver subsídios muito elevados.
A preocupação é evitar ruídos na política fiscal e afastar a impressão de que a crise será pretexto para elevar despesas no ano pré-eleitoral. Medidas com impacto financeiro não pesam sobre a meta fiscal, mas, por outro lado, podem aumentar a dívida bruta.
As medidas de apoio são dosadas com cuidado também porque existe o risco de o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, adotar mais restrições ao comércio. O governo precisará guardar fôlego para reagir a elas também.
- Imagem do vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin: negociações em curso. FDoto: Cadu Pinotti/Agência Brasil
- Fonte: Valor Econômico