A boa notícia: Nobel da Paz não foi para Trump. A má notícia: venceu a líder oposicionista venezuelana que quer ajudar Trump a derrubar Maduro

10 de outubro de 2025 09:50

O Comitê Norueguês do Nobel anunciou nesta sexta-feira (10) que a líder opositora do governo de Nicolás MaduroMaría Corina Machado, 58, venceu o Nobel da Paz de 2025 por sua atuação pela democracia na Venezuela. A láurea é entregue no exato momento em que manobras militares de navios enviados por Trump – que sonhava em ganhar o Nobel da Paz pela “paz” conseguida à fórceps entre Israel e Hamas, e cuja duração é incerta -, intensificam suas manobras militares em águas internacionais do Caribe.

A justificaiva oficial é que estão caçando grupos de narcotraficantes que Maduro estaria protegendo, mas o governo venezuelano – e boa parte dos analistas internacionais – vê a ação como uma “ameaça” para forçar uma mudança no regime venezuelano, nem que seja invadindo o país e se juntando a um golpe de estado. São oito navios de guerra e um submarino nuclear em frente à cocsta da Venezuela. Maduro mandou, nas últimas horas, militares para o aeroporto internacional de Maiquetía, em La Guaíra, que atende Caracas, além de proteger portos, alfândega, unidades militares e prédios públicos. Segundo o governo venezuelano, há um plano defensivo com redes de vigilância e drones, além da convocaçao da milícia, umcorpo militar formado por civis.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. Foto: Pedro MATTEY / AFP

Voltando ao Nobel da Paz, certamente um dos mais polêmicos da história, já que não se tem conhecido de nenhuma luta humanitária de María Corina Machado, mas sim esforços para derrubar um governo que ela considera reeleito de forma ilegítima – no que é apoiada por Trump, ele foi justificado como um reconhecimento por seu “trabalho incansável promovendo os direitos democráticos para o povo da Venezuela e pelo seu esforço em alcançar uma justa e pacífica transição da ditadura para a democracia”, de acordo com o anúncio. Um Nobel assumidamente político.

O Nobel da Paz, que já premiou Madre Tereza de Calcutá, mas ignorou Gandhi, indicado cinco vezes, tem um histórico de escolhas corajosas com outras, no mínimo, polêmicas, homenageando figuras que, por vezes, se envolveram em controvérsias, como Henry Kissinger (1973), ex-secretário de Estado e estrategista militar norte-americano de Richard Nixon durante o o escândalo de Watergate, e conhecido por apoiar as ditaduras do Cone Sul – em particular o regime brutal do general Augusto Pinochet, no Chile -, mas que supostamente teria contribuído para o fim da Guerra do Vienã – e Aung San Suu Kyi (1991) – então líder do movimento pela democracia em Mianmar, presa, mas que, após ser solta, acabou acusada pela ONU de conivência com o genocídio de uma minoria muçulmana rohingua.

“Estou em choque!”, disse María Corina – que sequer era cogitada entre os favoritos – ao candidato da oposição venezuelana à Presidência em 2024, Edmundo González Urrutia, em um vídeo – clique aqui e assista a conversa gravada, ensaiada e colocada nas redes -, além de compartilhado com a agência de notícias AFP. “Estamos em choque de alegria”, responde o diplomata, que se exilou há quase um ano após substituir María Corina, proibida de concorrer pelo regime. “O que é isso? Não acredito”, insiste a líder, que estaria escondida na Venezuela.

Com o prêmio, ela se tornou a 20ª mulher a ganhar o Nobel, concedido desde 1901 —o que significa que, agora, 83% das premiações foram masculinas. A última mulher a ganhar a homenagem havia sido a ativista iraniana Narges Mohammadi, em 2023.

María Corina Machado, para o Nobel uma “figura-chave e unificada” de oposição a Maduro. Fotode arquivo: Alfredo Lasry R/Getty Images via BBC

O comitê caracterizou María Corina como “um dos exemplos mais extraordinários de coragem civil na América Latina nos tempos recentes” e uma “figura-chave e unificadora em uma oposição política que antes era profundamente dividida”. “É precisamente isso que está no cerne da democracia: nossa disposição compartilhada de defender os princípios do governo popular, mesmo discordando. Em um momento em que a democracia está ameaçada, é mais importante do que nunca defender esse ponto em comum”, diz o anúncio.

O presidente do comitê, Jorgen Watne Frydnes, ainda citou os esforços “inovadores e corajosos, pacíficos e democráticos” da oposição nas eleições de 2024 na Venezuela, quando o antichavismo reuniu as atas de votação ao longo do dia em uma tentativa de contestar possíveis fraudes do regime. Embora os documentos, segundor diferentes órgãos independentes, tenham apontado vitória ao candidato da oposição, Edmundo González, Maduro declarou sua terceira reeleição horas após o fechamento das urnas, sem apresentar as provas exigidas pela lei venezuelana.

O episódio foi apenas uma das anormalidades do pleito. Cerca de um ano antes, María Corina havia sido declarada inelegível ao lado de outros opositores pela Controladoria-Geral do país —que, assim como a maioria dos órgãos públicos da Venezuela, está aparelhada. Na ocasião, o regime atribuiu a decisão a irregularidades administrativas da época em que ela foi deputada, de 2011 a 2014. A medida, imposta em 2015, tinha vigência de apenas um ano, mas foi estendida porque ela apoiou sanções dos EUA contra Maduro, segundo o órgão.

“A oposição recebeu apoio internacional quando seus líderes divulgaram as contagens de votos coletadas nos distritos eleitorais do país, mostrando que a oposição havia vencido por uma margem clara. Mas o regime se recusou a aceitar o resultado das eleições e se agarrou ao poder”, disse o comitê nesta sexta.

“Vivemos em um mundo onde a democracia está em retrocesso, onde cada vez mais regimes autoritários desafiam as normas e recorrem à violência”, afirmou o comitê. “Observamos as mesmas tendências globalmente: Estado de direito violado por aqueles que o controlam, imprensa livre silenciada, críticos presos e sociedades empurradas para o regime autoritário e a militarização. Em 2024, mais eleições foram realizadas do que nunca, mas cada vez menos eleições são livres e justas.”

Questionado sobre o significado do prêmio em meio a esse retrocesso, Frydnes afirmou que “viver em um mundo em que há menos democracia e mais regimes autoritários significa que o mundo também está ficando menos seguro”. “Nós acreditamos que a democracia é uma precondição para a paz. Então, sim, isto é uma mensagem para o mundo”, completou.

A decisão do comitê frustrou o presidente americano, Donald Trump, para quem a premiação havia se tornado uma meta pessoal e presença constante em seus discursos, nos quais fez campanha aberta para ser premiado. Trump dizia merecer a premiação com o argumento de ter encerrado “seis ou sete” guerras pelo mundo desde que voltou à Casa Branca —embora o republicano tenha participado de negociações em uma série de conflitos, nem todos que ele listava terminaram ou tiveram sua atuação como determinante para tal.

Indagado também sobre os esforços do republicano, Frydnes disse que, ao longo da história, houve “todo tipo de campanha”. “Este comitê se senta em uma sala repleta de retratos de todos os laureados, e essa sala é cheia de coragem e integridade. Nossa decisão é baseada apenas no trabalho e no desejo de Alfred Nobel”, afirmou, em referência ao inventor sueco (1833-1896) que idealizou o prêmio.

A campanha pró-Nobel de Trump havia sido engrossada na quarta-feira (8) com o anúncio, feito pelo americano em suas redes sociais, de que Israel e Hamas concordaram com a primeira fase de um plano de paz para Gaza, com libertação de reféns pelo grupo terrorista e retirada militar de Tel Aviv. Nesta quinta (9), o governo israelense aprovou acordo para encerrar o conflito.

Ao todo, 338 candidatos haviam sido indicados à láurea neste ano, dentre os quais 244 eram indivíduos, e 94, organizações. O número é menor do que o do ano passado, quando houve 286 indicações, e do que o de 2016, quando houve um recorde de 376 nomes.

Mais curiosidades sobre a lista de indicados, no entanto, só poderão ser sanadas daqui a 50 anos. Os candidatos e aqueles que os indicaram —que envolvem, entre outros, líderes de países e quem eventualmente já foi laureado— ficam em sigilo por cinco décadas.

O Nobel foi concedido pela primeira vez em 1901. Inicialmente, eram cinco categorias: paz, literaturaquímicafísica e medicina. Uma sexta —economia— foi adicionada décadas mais tarde, em 1969.

Até a metade do século 20, os laureados na principal categoria eram “políticos ativos que procuravam promover a paz internacional, a estabilidade e a justiça por meio da diplomacia e de acordos internacionais”.

Desde o fim da Segunda Guerra, porém, o prêmio passou a reconhecer esforços nas áreas de desarmamento, democracia e direitos humanos. Na virada para o século 21, o foco foi ampliado para incluir iniciativas que tentem conter a crise climática causada pelo homem.

Há alguns anos, o Nobel da Paz vem recebendo críticas devido às suas escolhas. Em 2017, a ativista pró-democracia Aung San Suu Kyi, laureada em 1991, foi criticada por seu silêncio em relação à crise humanitária envolvendo os muçulmanos da etnia rohingya em Mianmar, que viraram alvos do Exército do país e foram obrigados a fugir —cerca de 1 milhão deles vive em Cox’s Bazar, em Bangladesh, o maior campo de refugiados do mundo.

Em 2019, o laureado foi o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, contemplado por ter encerrado a guerra com a Eritreia —um ano depois, porém, ele liderou outro confronto no norte do país. Recentemente, o bispo Carlos Filipe Ximenes Belo, ganhador do prêmio em 1996, foi acusado de abusar sexualmente de adolescentes.

  • A líder da oposição da Venezuela, María Corina Machado, agita uma bandeira nacional durante protesto convocado pela oposição na véspera da posse presidencial, em Caracas. Foto: Juan Barreto/AFP
  • Fonte: Folha de S.Paulo/BBC Brasil, e outras fontes.

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