
Nepal: governo cai após protestos com 25 mortes. Manifestantes incendiaram Parlamento e Palácio Presidencial na capital
10 de setembro de 2025 08:30Uma onda de protestos que deixou ao menos 25 mortos e centenas de feridos em confrontos de manifestantes com a polícia incluiu o incêndio do Parlamento do Nepal, em Katmandu, por uma multidão em fúria contra restrições impostas pelo governo às redes sociais e contra a comunicação no serviço público levou à renúncia do primeiro-ministro do país do Himalaia, KP Sharma Oli, ontem. Os protestos se espalharam pelo país, e novos atos foram convocados. A mulher de um ex-premier morreu quando a casa onde ela vivia foi incendiada pela multidão. A violência, no entanto, segue mesmo com a saída do Oli e a revogação das medidas proibitivas, levando o Exército a anunciar que enviaria tropas para restaurar a ordem nas ruas.

“Renunciei ao cargo de primeiro-ministro com efeito a partir de hoje (…) como objetivo de dar novos passos em direção a uma solução política e à resolução dos problemas”, afirmou o premier de 73 anos, em carta ao presidente.
Em seu quarto mandato como premier, o líder do Partido Comunista enfrentava um cenário interno turbulento, com crescente descontentamento popular com a instabilidade política, corrupção e o baixo crescimento econômico – o índice de desemprego se aproxima de 10%, e o PIB per capita é de apenas US$ 1.447, segundo dados do Banco Mundial. O fator decisivo, porém, foi a resposta colérica à queda de braço entre o governo e gigantes da tecnologia.
No final da noite, as ruas da capital estavam tensas. As forças de segurança eram escassas e não eram as únicas com armas. Manifestantes foram vistos atirando granadas contra um prédio do governo, e civis foram fotografados portando rifles de assalto. Dois aeroportos foram danificados, assim como os hotéis Hilton e Vamabas. Os grupos da chamada “Geração Z” que lideram os protestos se distanciaram da destruição, dizendo que ela foi “sequestrada” por “oportunistas”.
Os chefes das principais agências de segurança do Nepal, incluindo o chefe do Exército, emitiram uma declaração conjunta apelando à moderação e conclamando os partidos políticos a encontrarem uma saída pacífica para a crise. Mas, com a saída Olie de vários outros altos funcionários, não estava claro quem, se é que havia alguém, estava no comando – e na noite de ontem o Exército anunciou que estava intervindo. Em um comunicado, os militares pediram aos manifestantes que parassem de saquear e atear fogo e disseram que pretendiam restaurar a lei e a ordem.
A crise começou a se formar na quinta-feira, quando o governo determinou o bloqueio de 26 redes sociais no território nepalês, incluindo Facebook, X, LinkedIn e YouTube, por não terem registro perante a administração federal. O tema já havia sido deliberado pela Suprema Corte do país em 2023, mas as empresas nunca fizeram o registro ou designaram representante local e encarregado de gerir possíveis litígios.
A proibição provocou revolta em setores sociais, sobretudo nos mais jovens – algo significativo em um país que tem 43% da população entre 15 e 43 anos. A partir de sexta-feira, vídeos contrapondo as dificuldades dos nepaleses comuns e a vida luxuosa dos filhos de políticos, ostentando bens de luxo, foram amplamente compartilhados no TikTok, uma das redes que não foram bloqueadas.
Outro fator foi que o Nepal depende fortemente das remessas de 2 milhões de trabalhadores no exterior – em 2024, os US$ 11 bilhões (R$ 60 bilhões) enviados representaram mais de 26% da economia do país. A proibição das redes sociais, portanto, teve efeito de isolar as famílias de seus provedores distantes. Segunda-feira, manifestantes tomaram as ruas de Katmandu e outras cidades. O principal ato na capital foi duramente reprimido pela polícia. Relatos iniciais apontaram o uso de balas de borracha, gás lacrimogêneo, canhões de água e cassetetes contra os populares, quando eles tentaram entrar em uma área proibida perto do Parlamento. A Anistia Internacional, posteriormente, denunciou o uso de munição letal. Dezenove pessoas morreram, segundo os dados oficiais do governo. Um porta-voz da polícia citou 400 feridos, entre civis e policiais.
“Não se trata apenas de redes sociais – trata-se de confiança, corrupção e de uma geração que se recusa a ficar em silêncio”, escreveu em editorial o jornal Kathmandu Post. “A ‘Geração Z’ cresceu com smartphones, tendências globais e promessas de um Nepal federal e próspero. Para eles, liberdade digital é liberdade pessoal. Cortar o acesso é como silenciar uma geração inteira.”
Diante da crise, o governo suspendeu a proibição de acesso às plataformas, que o ministro da Comunicação, Prithvi Subba Gurung, definiu como uma das “demandas da ‘Geração Z'”. Três ministros ofereceram suas renúncias antes do premier, o que não foi suficiente para conter os protestos – com cenas de violência sendo registradas ontem.

Autoridades de segurança afirmaram que casas de políticos e prédios de governo foram alvo de vandalismo, incluindo a residência do primeiro-ministro. Um dos locais atacados foi a residência do ex-premier Jhala Nath Khana, que comandou o país por alguns meses em 2011: segundo autoridades nepalesas, a mulher dele, Ravi Laxmi Chitrakar, estava no local e sofreu queimaduras graves. Ela chegou a ser levada para o hospital em estado crítico, mas não resistiu aos ferimentos.

Prédios públicos também foram cercados pelos manifestantes, alguns armados com rifles de assalto, como relatou um repórter da AFP. Um grupo ateou fogo ao Parlamento, que ficou coberto de nuvens de fumaça. O Palácio Presidencial também foi incendiado. Devido à fumaça causada pelos incêndios, o aeroporto internacional de Katmandu precisou suspender as operações, e alguns voos foram redirecionados para a Índia. No aeroporto de Bhairahawa, próximo à fronteira com a Índia, houve invasão de manifestantes, que atearam fogo a veículos do governo, informou o portal Hindustan Times.
- Um grupo ateou fogo ao Parlamento – como mostra a foto -, que ficou coberto de nuvens de fumaça. O Palácio Presidencial também foi incendiado. A onda de violência provocou ao menos 25 mortes e continuou mesmo após a renúnciado primeiro-ministro do país. Foto: AnupoOjha/AFP
- Fontes: O Globo/BBC/AFP