
À espera de Trump, Milei “queima” dólares de reservas
9 de outubro de 2025 09:15Depois de aluns dias de alívio temporário, o governo do presidente da Argentina, Javier Milei, enfrenta novamente um clima de tensão nos mercados. Enquanto as negociações do ministro da Economia, Luis “Toto” Caputo, em Washington, não rendem resultados concretos, a pressão sobre o câmbio continua aumentando na Argentina, obrigando o governo a intervir no mercado para conter a cotação do dólar – que, no mercado paralelo e financeiro, voltou a superar a barreira dos 1.500 pesos nesta semana.
O país está queimando reservas para deter a desvalorização do peso frente ao dólar. A taxa de risco do país, que sofrera queda de 30% após o anúncio feito pelo secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, há duas semanas, de que os EUA fariam o que fosse necessário para ajudar a Argentina, voltou a superar os mil pontos básicos. O secretário afirmou na ocasião que os EUA estavam discutindo uma linha de US$ 20 bilhões com a Argentina e estariam prontos para comprar títulos em dólares do país. Até agora, nada de concreto aconteceu.
Nova intervenção
Ontem, a cotação do dólar no atacado ficou em torno de 1.430 pesos, acumulando alta de quase 40% neste ano. O Tesouro Nacional tem feito intervenções diárias para segurar a cotação, mas não divulga as cifras. Estimativas de mercado indicam que o Tesouro argentino injetou cerca de US$ 1,6 bilhão no mercado cambial em seis pregões consecutivos, o que representa em torno de 75% dos US$ 2,2 bilhões que o governo argentino conseguiu zerando a alíquota da taxa de exportações de grãos, uma estratégia para acumular divisas internacionais.
O Tesouro interveio ontem no mercado de câmbio pela sétima sessão consecutiva, vendendo ao menos US$ 320 milhões, segundo a Bloomberg, injetando dólares no mercado na tentativa de valorizar o peso. O BCRA, banco central argentino, que queimou US$ 1,1 bilhão em reservas no mês passado para sustentar a moeda, passou a contar recentemente com recursos do Tesouro para manter a estabilidade da moeda. Embora o BCRA possa intervir nos mercados, só pode fazê-lo se o peso ultrapassar uma banda de negociação estabelecida como parte do acordo da Argentina com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Enquanto a cotação do dólar no atacado não ameaça chegar ao teto da banda, que é de 1.470 pesos, as intervenções são feitas pelo Tesouro Nacional, que acumula as divisas provenientes das exportações do agro.
Mesmo assim, no mercado financeiro, investidores argentinos estão aumentando as apostas de que o presidente Javier Milei vai desvalorizar o peso após as eleições de meio de mandato neste mês, à medida que o governo esgota suas reservas para sustentar a moeda em dificuldades.
As taxas de juros de curto prazo dispararam para níveis recordes, em sinal de liquidez mais apertada. Os juros dos títulos públicos locais com vencimento em 31 de outubro saltaram para 97% na quarta-feira, ante 76% no dia anterior, enquanto os com vencimento em 28 de novembro chegaram a quase 87%, contra 74%.
Num clima de falta de confiança em Milei e em seu governo, a sensação em Buenos Aires é que somente a concretização de um socorro financeiro dos EUA poderia conter a pressão no mercado cambial, faltando menos de três semanas para as eleições legislativas nacionais de 26 de outubro – teste crucial sobre a capacidade de Milei manter sua draconiana agenda de reformas.
A preocupação do mercado está relacionada à escassez de reservas do país – violando um dos compromissos assumidos em entendimento com o FMI, que é a acumulação de reservas – , e também às necessidades de financiamento em 2026, que atingem US$ 28,8 bilhões. Para 2027, último ano de mandato de Milei, o montante alcança US$ 36,2 bilhões.
Risco de caos cambial
Em Washington, fontes que acompanham as negociações afirmaram que Trump ainda poderia demorar alguns dias para fazer algum anúncio sobre a Argentina, mas algum tipo de comunicação do americano é esperado. Até isso acontecer, disse uma pessoa a par das movimentações, “o clima entre a delegação argentina é de desespero”.
“Todos esperam pelo melhor, mas muitos se preparam para o pior. O que seria? Uma desvalorização desorganizada”, disse a fonte. O mercado já vinha se preparando para o fato de que Milei seria obrigado a desvalorizar o peso. Mas a expectativa era de uma desvalorização organizada, após a eleição legislativa de 26 de outubro. Hoje, o risco é que o governo argentino seja atropelado pelos fatos – e o país sofra uma desvalorização de sua moeda entre 30% e 50% até o fim do ano.
Sem anúncios concretos por parte dos EUA, os bônus argentinos continuam caindo, o dólar subindo, e o governo pensando alternativas para acalmar o mercado às vésperas de uma eleição que no começo do ano parecia um desafio simples para Milei, mas tornou-se uma enorme dor de cabeça.
A sensação em Buenos Aires é que Bessent e o governo Milei acharam que só o anúncio de uma ajuda seria suficiente para acalmar o mercado, na linha da chamada “vibe economics”, ou seja, que apenas um tuíte do secretário do Tesouro americano seria suficiente. Mas não foi, porque o problema de Milei não é apenas econômico, é também político e de falta de confiança da sociedade, que teme uma nova crise grave no país.
Tempestade perfeita
Uma sucessão de tropeços do governo no Parlamento, denúncias de casos de corrupção, a renúncia do seu principal candidato na província de Buenos Aires por vínculos com narcotraficantes, e uma economia que dá sinais de recessão formam um conjunto de fatores que atrapalharam os planos de Milei de ampliar de forma expressiva a bancada do governista A Liberdade Avança no Congresso.
Hoje, nos melhores cenários traçados por analistas locais, o partido de Milei consegue ampliar o número de deputados e senadores, mas correndo o risco de ser derrotado, em termos de votos nacionais, pelos peronistas e kirchneristas.
Em relatório elaborado esta semana, a empresa de consultoria C-P avaliou que “apesar do forte apoio externo dos EUA, o curto prazo será muito desafiador. A concentração da liquidação de divisas do agro em setembro antecipa um mercado desequilibrado agora em outubro. É esperado que a dolarização aumente à medida que nos aproximamos das eleições, e é esperável que a cotação (do dólar) volte a bater no teto da banda”,
Já a consultoria 1816 apontou que “sem clareza sobre a predisposição dos EUA sobre um eventual desembolso (à Argentina), o mercado parece estar novamente concluindo que a única opção é ter um câmbio alto”.
As dúvidas sobre o que fará Trump em relação a Milei são cada dia maiores. Analistas argentinos e americanos cogitam que Trump poderia adiar o socorro ao governo e condicioná-lo ao resultado das eleições legislativas, cujo cenário é desfavorável a Milei. É um cenário extremo, mas alguns cogitam. Em dois anos no cargo, Milei conquistou resultados históricos em matéria fiscal, ajudando a frear a inflação, mas o descontrole do câmbio agora ameaça todo o seu programa de governo liberalizante.
- Tensão: o presidente argentino Javier Milei, em evento público em Buenos Aires: alívio com a promessa de Trump durou pouco. Que tal outro show de rock? Foto: Luis Robayo/AFP
- Fonte: O Globo/Bloomberg News