
“A democracia e a soberania brasileiras são inegociáveis”, publica Lula no New York Times
14 de setembro de 2025 15:16“A democracia e a soberania brasileiras são inegociáveis.” Foi com essa afirmação que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu o artigo publicado neste domingo (14) no The New York Times. No texto, Lula defende a legitimidade das instituições nacionais e alerta que nenhuma decisão externa poderá interferir na democracia brasileira.
O artigo é um recado direto ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que anunciou a aplicação de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros. Lula rebateu os argumentos apresentados por Washington e afirmou que a medida carece de justificativa econômica, revelando motivações políticas voltadas à proteção de Jair Bolsonaro (PL).
Críticas à tarifa americana
Segundo o presidente brasileiro, os EUA acumulam um superávit de US$ 410 bilhões no comércio com o Brasil nos últimos 15 anos. Ele lembrou ainda que quase 75% das exportações americanas entram isentas de tarifas no país. “O aumento tarifário imposto ao Brasil neste verão não é apenas equivocado, mas também ilógico”, escreveu.
Lula citou relatos de que o vice-secretário de Estado, Christopher Landau, teria admitido a empresários brasileiros que as tarifas seriam parte de uma estratégia para buscar impunidade a Bolsonaro, condenado a 27 anos de prisão por liderar uma organização criminosa que tentou dar um golpe de Estado no Brasil.
Defesa das instituições democráticas
O presidente destacou a atuação recente do Supremo Tribunal Federal (STF), que confirmou condenações de envolvidos nos atos golpistas. “Tenho orgulho do STF por sua decisão histórica, que salvaguarda nossas instituições e o Estado Democrático de Direito”, afirmou. Lula lembrou que as investigações revelaram planos para assassinar autoridades e até um decreto que visava anular as eleições de 2022.
Tecnologia, economia digital e meio ambiente
Lula também contestou as críticas americanas sobre a regulação de empresas de tecnologia. Ele afirmou que não há perseguição, mas aplicação igual da lei para todas as plataformas, nacionais ou estrangeiras, com o objetivo de combater crimes digitais, desinformação e discurso de ódio.
O artigo defendeu o sistema de pagamentos instantâneos PIX, que promoveu a inclusão financeira de milhões de brasileiros, e ressaltou o compromisso ambiental de seu governo. Nos últimos dois anos, o Brasil reduziu em 50% o desmatamento da Amazônia e confiscou ativos milionários usados em crimes ambientais.
Apelo ao diálogo
Apesar das críticas, Lula reforçou que o Brasil continua aberto à cooperação com os Estados Unidos. Ele recordou que a relação entre os dois países ultrapassa dois séculos e não deve ser prejudicada por diferenças ideológicas.
“Presidente Trump, continuamos abertos a negociar qualquer coisa que possa trazer benefícios mútuos. Mas a democracia e a soberania do Brasil não estão em pauta”, escreveu, encerrando o artigo com uma lembrança de discurso feito por Trump em 2017 na ONU, no qual o próprio líder americano exaltava o princípio da soberania nacional.
Com esse tom, Lula reafirmou que a parceria entre Brasil e Estados Unidos só poderá prosperar se baseada no respeito mútuo e na cooperação entre duas grandes democracias.
Leia o artigo na íntegra:
A democracia e a soberania brasileiras são inegociáveis
Luiz Inácio Lula da Silva – New York Times, 14 de setembro de 2025
Decidi escrever este ensaio para estabelecer um diálogo aberto e franco com o presidente dos Estados Unidos. Ao longo de décadas de negociação, primeiro como líder sindical e depois como presidente, aprendi a ouvir todos os lados e a levar em conta todos os interesses em jogo. Por isso, examinei cuidadosamente os argumentos apresentados pelo governo Trump para impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros.
A recuperação dos empregos americanos e a reindustrialização são motivações legítimas. Quando, no passado, os Estados Unidos levantaram a bandeira do neoliberalismo, o Brasil alertou para seus efeitos nocivos. Ver a Casa Branca finalmente reconhecer os limites do chamado Consenso de Washington, uma prescrição política de proteção social mínima, liberalização comercial irrestrita e desregulamentação generalizada, dominante desde a década de 1990, justificou a posição brasileira.
Mas recorrer a ações unilaterais contra Estados individuais é prescrever o remédio errado. O multilateralismo oferece soluções mais justas e equilibradas. O aumento tarifário imposto ao Brasil neste verão não é apenas equivocado, mas também ilógico. Os Estados Unidos não têm déficit comercial com o nosso país, nem estão sujeitos a tarifas elevadas. Nos últimos 15 anos, acumularam um superávit de US$ 410 bilhões no comércio bilateral de bens e serviços. Quase 75% das exportações dos EUA para o Brasil entram isentas de impostos. Pelos nossos cálculos, a tarifa média efetiva sobre produtos americanos é de apenas 2,7%. Oito dos 10 principais itens têm tarifa zero, incluindo petróleo, aeronaves, gás natural e carvão.
A falta de justificativa econômica por trás dessas medidas deixa claro que a motivação da Casa Branca é política. O vice-secretário de Estado, Christopher Landau, teria dito isso no início deste mês a um grupo de líderes empresariais brasileiros que trabalhavam para abrir canais de negociação. O governo americano está usando tarifas e a Lei Magnitsky para buscar impunidade para o ex-presidente Jair Bolsonaro, que orquestrou uma tentativa fracassada de golpe em 8 de janeiro de 2023, em um esforço para subverter a vontade popular expressa nas urnas.
Tenho orgulho do Supremo Tribunal Federal (STF) por sua decisão histórica na quinta-feira, que salvaguarda nossas instituições e o Estado Democrático de Direito. Não se tratou de uma “caça às bruxas”. A decisão foi resultado de procedimentos conduzidos em conformidade com a Constituição Brasileira de 1988, promulgada após duas décadas de luta contra uma ditadura militar. A decisão foi resultado de meses de investigações que revelaram planos para assassinar a mim, ao vice-presidente e a um ministro do STF. As autoridades também descobriram um projeto de decreto que teria efetivamente anulado os resultados das eleições de 2022.
O governo Trump acusou ainda o sistema judiciário brasileiro de perseguir e censurar empresas de tecnologia americanas. Essas alegações são falsas. Todas as plataformas digitais, nacionais ou estrangeiras, estão sujeitas às mesmas leis no Brasil. É desonesto chamar regulamentação de censura, especialmente quando o que está em jogo é a proteção de nossas famílias contra fraudes, desinformação e discurso de ódio. A internet não pode ser uma terra de ilegalidade, onde pedófilos e abusadores têm liberdade para atacar nossas crianças e adolescentes.
Igualmente infundadas são as alegações do governo sobre práticas desleais do Brasil no comércio digital e nos serviços de pagamento eletrônico, bem como sua suposta falha em aplicar as leis ambientais. Ao contrário de ser injusto com os operadores financeiros dos EUA, o sistema de pagamento digital brasileiro, conhecido como PIX, possibilitou a inclusão financeira de milhões de cidadãos e empresas. Não podemos ser penalizados por criar um mecanismo rápido, gratuito e seguro que facilita as transações e estimula a economia.
Nos últimos dois anos, reduzimos a taxa de desmatamento na Amazônia pela metade. Só em 2024, a polícia brasileira apreendeu centenas de milhões de dólares em ativos usados em crimes ambientais. Mas a Amazônia ainda estará em perigo se outros países não fizerem a sua parte na redução das emissões de gases de efeito estufa. O aumento das temperaturas globais pode transformar a floresta tropical em uma savana, interrompendo os padrões de precipitação em todo o hemisfério, incluindo o Centro-Oeste americano.
Quando os Estados Unidos viram as costas para uma relação de mais de 200 anos, como a que mantêm com o Brasil, todos perdem. Não há diferenças ideológicas que impeçam dois governos de trabalharem juntos em áreas nas quais têm objetivos comuns.
Presidente Trump, continuamos abertos a negociar qualquer coisa que possa trazer benefícios mútuos. Mas a democracia e a soberania do Brasil não estão em pauta. Em seu primeiro discurso à Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2017, o senhor afirmou que “nações fortes e soberanas permitem que países diversos, com valores, culturas e sonhos diferentes, não apenas coexistam, mas trabalhem lado a lado com base no respeito mútuo”. É assim que vejo a relação entre o Brasil e os Estados Unidos: duas grandes nações capazes de se respeitarem mutuamente e cooperarem para o bem de brasileiros e americanos.
- Lula em artigo no NYT, em texto com foto da Estátua da Justiça no STF: “Lula: A democracia e a soberania brasileiras são inegociáveis”
- Brasil 247/NYT