Boulos critica chacina de Castro e diz que governo Lula não pode apanhar calado. “Cada ataque vai ter resposta”, garante.

2 de novembro de 2025 14:09

De capacete e colete, representantes de entregadores por aplicativo se aglomeravam na porta da Secretaria-Geral da Presidência, no quarto andar do Palácio do Planalto, na quinta-feira. Empossado na véspera, o ministro Guilherme Boulos deixou o gabinete e cumprimentou um a um, numa de suas primeiras reuniões de trabalho. O ex-líder sem-teto avalia que a esquerda errou ao colocar o que quer para a categoria sem ouvi-la e defende a aproximação para que a promessa de Lula de regulamentar esse tipo de trabalho seja cumprida. Em entrevista ao Globo, ele também defendeu que a esquerda “destrave” a relação com os evangélicos, criticou chacina de Claudio Castro e diz que governo não ficará calado.

  • O senhor terá pouco mais de um ano como ministro. O que vai ser possível entregar?


    A primeira missão dada pelo presidente é rodar o Brasil. Vou para todos os estados até maio. Conversar com os movimentos sociais e os setores com os quais às vezes temos dificuldade de dialogar. Ao mesmo tempo, levar o que o governo tem feito. Também vou constituir grupos de trabalho com trabalhadores de aplicativo e outro com pequenos empreendedores. A ideia é construir soluções para um setor que, em geral, está na informalidade e que às vezes tem um grau de resistência às políticas do governo. A classe trabalhadora mudou.
  • O projeto enviado pelo governo em 2024 já trazia ideias que o senhor tem para os trabalhadores de aplicativos e ficou emperrado no Congresso. Por que andaria agora?


    Tem diferenças. O trabalho daquela primeira iniciativa do governo foi muito importante. Os trabalhadores querem uma garantia, mas a remuneração mínima tem um peso maior para eles. Por que as plataformas ficam com uma fatia tão relevante de cada viagem? Só pela intermediação tecnológica? Isso precisa ser regulamentado. Sobre a Previdência, a extrema direita insistiu que significaria taxar o trabalhador pela contribuição. Isso gerou ruído e ajudou a travar o projeto. A esquerda errou muitas vezes – e aqui não é o governo – porque sempre colocou o que quer para os trabalhadores dessas novas formas de trabalho. Poucas vezes parou para ouvir o que eles querem.
  • Rodar o país não pode ser visto como uso da máquina para turbinar a campanha à…


    Diálogo com a população não pode ser só de quatro em quatro anos apertando um botão na urna. Isso é uma democracia limitada. Esse tipo de crítica só viria de alguém que não reconhece a legitimidade e a importância da participação popular e da escuta das pessoas no governo federal.
  • O senhor citou os evangélicos no discurso de posse. Vai ajudar na interlocução?


    Quero dialogar com evangélicos, católicos, gente de todas as religiões. Se o presidente me der essa atribuição, farei com gosto. Venho de um movimento social, os sem-teto, que tem pastores na coordenação e a maior parte da base social evangélica. Eles estão concentrados nas periferias e se beneficiam com políticas do governo. Muitas vezes, esse diálogo está truncado. É essencial para o futuro das ideias progressistas no Brasil destravar a conexão com milhões de evangélicos nas periferias.

  • Sua chegada representa uma guinada do governo à esquerda?


    Quem teve 60 milhões de votos para conduzir o governo é o presidente Lula. Ele vai definir a minha atuação. Há um equilíbrio na frente que ajudou a elegê-lo. Eu não ouvia que o governo estava dando um giro à direita quando partidos de centro-direita indicaram ministros para a composição da governabilidade. Da mesma forma, não se trata disso quando são figuras mais identificadas com a esquerda.
  • O correto é baixar a temperatura da polarização ou enfrentá-la?


    A questão não é gostar ou não da polarização. Ela está aí. Olha o desaguar melancólico do PSDB. E todos os partidos que tiveram uma posição mais em cima do muro na polarização estão definhando no mundo inteiro.
  • O senhor disse que o governador Cláudio Castro fez pirotecnia com sangue na operação do Rio. Isso não acirra os ânimos entre o Planalto e o governo estadual, no momento em que a população espera solução?


    O que acirra é o governador, depois de fazer uma operação sem pedir ajuda, querer jogar a conta no governo federal. A PEC da Segurança Pública foi enviada ao Congresso há meses, e o Cláudio Castro foi contra. Uma coisa é ter relação institucional, outra é apanhar calado. Cada ataque vai ter resposta.
  • A Câmara aprovou uma proposta para recompor parte do Orçamento, mas o PSOL foi contra. O seu partido é contrário à agenda do ministro da Fazenda, Fernando Haddad?


    O PSOL não é contrário à agenda do ministro da Fazenda. O partido apoiou a MP alternativa ao IOF, que foi derrotada pela direita no Congresso, a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e a tributação de super-ricos. Não estou mais na bancada nem respondo por ela. Essa votação, inclusive, foi no dia da minha posse. Estava trabalhando na transição.
  • O senhor defende o fim da escala 6×1, mas o governo não faz nenhum movimento favorável no Congresso. Há uma contradição?


    O governo fez movimentos, mas não comanda o Congresso. O projeto do Imposto de Renda, que era mais consensual, ficou seis meses parado na gaveta… Eu estava lá (no Congresso) até a semana passada, as coisas não são fáceis. A posição do presidente Lula é pelo fim da escala 6×1 e vamos intensificar o trabalho para que avance no Legislativo.
  • Muita gente vê o senhor como sucessor do presidente Lula no futuro. Está nos planos?


    Acho muitas vezes até desrespeitoso a forma como se coloca esse debate. Ele é presidente do Brasil pela terceira vez e será eleito novamente no ano que vem. Fazer um debate sobre sucessão é extemporâneo.
  • Está fora de cogitação o senhor se candidatar em São Paulo em 2026?


    A minha perspectiva é ficar no governo até o final. Se eu tiver que me desincompatibilizar para ser candidato, não vou ter nem seis meses de trabalho. Agora, o debate eleitoral vai ser feito no ano que vem, e sei da minha responsabilidade para ajudar a construir o palanque de São Paulo.
  • O presidente Lula indicou dois homens para o Supremo Tribunal Federal (STF) e deve indicar o terceiro. Ele está certo em colocar em segundo plano a agenda identitária?


    O dia que eu tiver 60 milhões de votos, posso comentar. Isso é prerrogativa presidencial. Mas é importante dizer: Lula é o presidente que mais indicou mulheres e pessoas negras no Judiciário. Não estou justificando o passivo histórico que temos em relação à sub-representação de mulheres e negros nas instituições. Isso tem que ser enfrentado. Mas não se pode botar este passivo na conta de Lula, que foi quem mais fez para diminuí-lo.

  • Novo ministro Guilherme Boulos, em entrevista ao Globo, afirma que governo Lula não vai “apanhar calado” Foto: Cristiano Mariz/O Globo
  • Fonte: O Globo

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