ONU: hospedagem na COP30 expõe crise em Belém e 88% dos países não fizeram reservas por preços abusivos

23 de agosto de 2025 09:45

 A preparação de Belém para sediar a COP30, em novembro, já enfrenta um problema grave: 88% das delegações estrangeiras ainda não conseguiram reservar hospedagem na capital paraense. O principal obstáculo não é a falta de acomodações, mas os preços considerados abusivos por chefes de delegações e representantes da sociedade civil. Os dados fazem parte de uma pesquisa conduzida pelo secretariado da Convenção sobre Mudança Climática da ONU (UNFCCC), divulgada nesta sexta-feira (22) em reunião do Bureau da entidade, e revelados pelo Valor Econômico.

Dos 195 países consultados, 147 responderam à pesquisa. Apenas 10% das delegações já têm hospedagem garantida, enquanto 90% permanecem sem alternativa. Entre os países desenvolvidos, 34% confirmaram reservas, mas entre os em desenvolvimento o percentual cai para apenas 6%. A desigualdade também se reflete entre as nações mais pobres e as insulares: mais de 90% não conseguiram quartos.

Delegações denunciam preços abusivos

A principal reclamação é o valor cobrado por hotéis e imóveis em Belém. Um dos depoimentos reunidos pela pesquisa destaca: “Tem sido difícil identificar propriedades com qualidade comparável às COPs anteriores… é significativamente mais caro do que pagamos em qualquer COP anterior, e isso está fazendo com que precisemos minimizar o tamanho da nossa delegação.”

Outro relato afirma que “preços superiores a US$ 200 por dia estão além do financiamento disponível para os delegados dos países em desenvolvimento”. Para as nações mais pobres, a situação é ainda mais crítica: delegações pedem tarifas que não ultrapassem 50% da diária subsidiada pela ONU (DSA), que em Belém é de US$ 144.

Impactos logísticos e diplomáticos

Mesmo entre as delegações que conseguiram hospedagem — em geral países ricos —, as dificuldades persistem. Mais da metade reclamou da limitação de quartos em relação ao tamanho de suas equipes. Já os que não encontraram acomodações apontaram como segunda maior barreira a exigência inicial de estadias mínimas de 21 dias, posteriormente flexibilizada pelo governo brasileiro para dez diárias.

Além dos preços e da disponibilidade restrita, muitas delegações manifestaram preocupação com a localização dos quartos, pedindo acomodações próximas aos locais onde ocorrerão as reuniões da COP30. A maioria das delegações precisa de entre 11 e 20 quartos, tanto entre os que já reservaram quanto entre os que seguem sem opções.

Desafio para o Brasil

O cenário expõe o risco de o maior evento climático do planeta, que deverá reunir chefes de Estado, ministros, cientistas e representantes da sociedade civil, ser marcado por dificuldades logísticas que podem comprometer a participação plena dos países mais pobres.

A pressão internacional sobre o Brasil deve aumentar, já que garantir condições justas e viáveis de hospedagem é considerado um requisito fundamental para o sucesso da conferência.

“Não cabe aos brasileiros subsidiarem outros países na COP”, diz Miriam Belchior

Secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior: “Não cabe aos brasileiros”.Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Entre os principais impasses relacionados à hospedagem em Belém durante a COP30 está a controvérsia sobre quem deve arcar com os custos de subsídio às delegações de países pobres e de nações insulares. Segundo reportagem do Valor Econômico, a questão envolve a ONU e o governo brasileiro, que divergem sobre a responsabilidade de cobrir as despesas diante dos preços elevados praticados pela rede hoteleira e por proprietários de imóveis na capital paraense.

A ONU paga diárias às delegações por meio da International Civil Service Commission, que fixa valores específicos por cidade. Para Belém, o reembolso estabelecido é de US$ 144. Se a conferência fosse realizada no Rio de Janeiro ou em São Paulo, os valores seriam, respectivamente, de US$ 229 e US$ 234. Países com menos recursos pressionam pela elevação desse montante, demanda apoiada pelo Brasil. No entanto, o secretariado da Convenção do Climafoi além e solicitou ao governo brasileiro que subsidiasse parte da hospedagem.

A secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, foi categórica ao negar essa possibilidade. Após a reunião do Bureau da UNFCCC, em Brasília, ela declarou: “O governo brasileiro já está arcando com custos significativos para a realização da COP30 e por isso não há como subsidiar delegações de países, inclusive de países mais ricos que o Brasil. Do ponto de vista brasileiro, não cabe aos brasileiros subsidiarem outros países.”

Belchior destacou que qualquer redução artificial nos preços da rede hoteleira — por exemplo, de US$ 600 para US$ 500 — sairia diretamente dos contribuintes brasileiros. Para ela, o caminho é buscar alternativas.

“Acho que temos um desafio conjunto de conseguir outras fontes que possam eventualmente ajudar esses países, mas dissemos que o governo brasileiro não ia poder subsidiar a hospedagem.”
Em carta enviada ao Brasil, a UNFCCC pediu explicitamente que o país garantisse US$ 100 diários para delegações de nações menos desenvolvidas e insulares, sem limite de participantes. Belchior rebateu:

“Falamos claramente que o Brasil não tem condição, mas se existe esta proposta de a ONU pagar mais a contribuição, se em qualquer outra cidade do mundo eles pagariam, por que não pagam em Belém?”

Ela ainda frisou que o governo apoia a demanda dos países membros para que a ONU adote o mesmo patamar de diárias praticado em outras cidades brasileiras, mas reiterou que o recurso não poderá vir do Tesouro Nacional.

  • Imagem gerada em IA
  • Fonte: Valor Econômico/Brasil 247

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