
Após derrota no Congresso, Lula telefona para Alcolumbre e Hugo Motta. Aliados cobram articulação mais firme. Haddad ameaça ir ao STF.
27 de junho de 2025 11:01Após a derrota imposta ao Palácio do Planalto pelo Congresso Nacional na quarta-feira (25), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu, em reunião com sua equipe, que buscará retomar o diálogo com os chefes do Legislativo. Segundo a coluna do jornalista Valdo Cruz, do g1, Lula pretende telefonar primeiro ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e, em seguida, ao presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB).
Paralelamente ao esforço de reaproximação política, integrantes do governo avaliam recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para contestar a decisão parlamentar. O argumento jurídico da equipe presidencial é que o decreto presidencial sobre o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) não ultrapassou as competências do Executivo. Por isso, a anulação pelo Congresso seria, na visão do Planalto, passível de questionamento judicial.
Na quarta-feira, data em que a proposta do governo foi rejeitada, Lula optou por não entrar em contato com os líderes das Casas Legislativas. De acordo com seus assessores, a percepção era de que o resultado desfavorável já estava consolidado e que uma ação de última hora não mudaria os votos. A intenção, agora, é restabelecer pontes políticas. Lula começará pela ligação a Alcolumbre, que tem protagonizado articulações relevantes no Senado, e só depois procurará Hugo Motta, responsável por conduzir a votação na Câmara.
A movimentação, no entanto, é considerada insuficiente por aliados do presidente. Há críticas internas de que o presidente precisa assumir uma atuação mais incisiva para reorganizar sua base, cuja fragilidade foi escancarada com a votação. O revés foi mais contundente na Câmara dos Deputados, onde 383 parlamentares votaram contra o decreto do governo, número ainda mais expressivo do que os 346 votos contrários registrados na fase anterior de urgência — um crescimento de 37 votos.

No Senado, o processo foi simbólico, sem registro individual dos votos. O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso, chegou a cogitar um pedido de verificação de quórum, mas a solicitação foi descartada por Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo na Casa. A decisão foi tomada com base na previsão de que o resultado seria ainda mais desfavorável e poderia acentuar o desgaste político do governo.
A estimativa de bastidores, compartilhada por Alcolumbre a interlocutores, era de que o placar teria sido de 65 votos contra o decreto e apenas 15 a favor, caso a votação fosse nominal. Após a sessão, o senador Jaques Wagner tentou minimizar os efeitos da derrota. Ao lado de Alcolumbre, afirmou que “a vida não acaba hoje, a vida segue, o governo seguirá depois de hoje”.
Ainda de acordo com a reportagem, o presidente do Senado, embora aberto ao diálogo, fez questão de deixar claro seu descontentamento. Segundo ele, o decreto “começou ruim e terminou pior”, e o Executivo não teria compreendido, desde o início da legislatura, o recado dado pelo Congresso de que não aprovaria qualquer proposta de aumento de imposto.
Haddad defende ir ao STF e diz que novo corte no orçamento “vai pesar para todo mundo”

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), afirmou que o governo federal estuda três possíveis caminhos após a derrubada, pelo Congresso Nacional, do decreto que aumentava a alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Segundo ele, a resposta pode ser dada por meio da judicialização da medida, da criação de nova fonte de receita ou de um novo contingenciamento de despesas. “Vai pesar para todo mundo”, alertou.
Durante entrevista ao C-Level Entrevista, videocast da Folha de S.Paulo, Haddad declarou que a decisão final caberá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas deixou clara sua posição: “na opinião dos juristas do governo, [a decisão do Congresso] é flagrantemente inconstitucional”.Play Video
Segundo o ministro, a expectativa era de que houvesse um acordo sobre o tema após reunião com os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), realizada no dia 8. “Saí de lá imaginando que estava tudo bem. Não só eu, todo mundo. Eu não sei o que mudou”, lamentou Haddad, quase três semanas depois do encontro.
Ele disse ainda que só foi avisado na manhã de quarta-feira (25) sobre a votação que derrubaria o decreto. “Acordei com uma ligação da Gleisi [Hoffmann, ministra das Relações Institucionais]”, relatou, acrescentando que não chegou a falar com Motta naquele dia. Questionado sobre o clima entre Executivo e Legislativo, Haddad reconheceu o ambiente tenso e atribuiu parte disso à resistência de setores econômicos diante do discurso de justiça tributária por meio da redução da carga dos mais pobres e cobrança de mais impostos dos mais ricos. “Se a turma da Faria Lima está incomodada, tudo bem”, provocou.
Haddad explicou que o governo avalia três frentes: compensar a perda de receita com novos tributos — como taxação de dividendos ou receitas do petróleo —, cortar mais R$ 12 bilhões além dos R$ 30 bilhões já contingenciados ou judicializar a questão. “Vai faltar recurso para saúde, educação, para o Minha Casa, Minha Vida. Não sei se o Congresso quer isso”, afirmou. Em defesa da ação no Supremo Tribunal Federal, o ministro ressaltou: “eu sempre vou defender a Constituição. Se a AGU ou a PGFN disserem que o decreto legislativo é inconstitucional, eu vou defender essa posição”.
Para o titular da Fazenda, o embate tem origem na tentativa de corrigir distorções históricas do sistema tributário brasileiro. “Nós estamos defendendo que o rico que não paga imposto passe a pagar. Não considero normal um dos dez países mais desiguais do mundo aceitar que quem tem mais de R$ 1 milhão de renda anual pague uma alíquota de 2,5%, enquanto uma professora paga 10%”, declarou.
Ele destacou que o governo tem mantido diálogo constante com o Legislativo, mas ponderou que nem todas as forças políticas estão alinhadas com o projeto de justiça social. “Tem parlamentares associados a bancos, a sem-terra, a sem-teto, a bets… São 513 parlamentares”, resumiu.
Questionado se a situação representa uma derrota para o governo, Haddad rebateu afirmando que esta “não é a primeira, e provavelmente não será a última. Mas o jogo está favorável ao Brasil”. Ele destacou que indicadores como dólar, desemprego e inflação seguem sob controle. Sobre a insatisfação de lideranças políticas, o ministro disse que pode haver cálculo político pensando em prejudicar o governo Lula de olho nas eleições de 2026. “Mas isso [desequilíbrio fiscal] vai ser ruim para qualquer um que assumir. A disputa vai ser acirrada de qualquer jeito. Não é melhor garantir a governabilidade?”, questionou.
Haddad contou que a reunião com os presidentes das Casas legislativas foi longa e considerada “histórica”. “Saímos de lá crentes de que tínhamos feito um grande acordo. Não se traduziu naquilo que imaginamos. Vou procurar rever o que aconteceu”, afirmou. Na entrevista, o ministro negou que tenha havido briga com Hugo Motta, mas confirmou que não conversaram antes da votação. “Ele falou com a ministra da Secretaria de Relações Institucionais que aquela decisão era irreversível. Eu respeitei”, disse.
O ministro também revelou que a proposta de corte de 10% nas isenções fiscais, inicialmente prevista para esta semana, será apresentada somente em agosto. Segundo ele, o governo já vem atuando para rever benefícios, como aposentadorias militares, abono salarial e supersalários.
Haddad apontou que o maior problema fiscal do país, hoje, está na judicialização do BPC. “Em 2025, vamos ter que colocar R$ 140 bilhões no Orçamento por conta disso. E quem desarrumou o BPC foi o governo anterior”, afirmou.
Sobre as eleições presidenciais, Haddad acredita que Lula chegará competitivo, mas avalia que será uma disputa apertada, como tem ocorrido em todo o mundo. “O padrão hoje são eleições acirradas, com uma extrema direita crescendo. Isso vale para a Europa, os Estados Unidos…”, avaliou.
Ele também indicou que não está prevista, por ora, nenhuma ampliação do Bolsa Família, que mantém o mesmo valor desde sua reformulação em 2023. “Estamos dentro do patamar internacional para o combate à fome”, disse.
Por fim, o ministro negou estar isolado no governo. “Estou com Lindbergh, com a Gleisi. É uma agenda que incomoda muita gente, mas eu estou aqui para fazer justiça tributária”, reforçou. Segundo ele, o foco da equipe econômica é enfrentar os 140 mil super-ricos que concentram renda e pouco contribuem com o imposto de renda. “Nós vamos chegar ao fim do governo com 25 milhões de brasileiros a menos pagando IR”, garantiu.
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Fonte: Brasil 247/G1/Folha