Primeiro impasse: Israel restringirá ajuda humanitária enquanto Hamas não entregar todos os corpos de reféns
15 de outubro de 2025 09:09 |O governo israelense decidiu ontem manter fechada a passagem de Rafah, entre Gaza e o Egito (prevista para abrir hoje), e reduzir o envio de ajuda humanitária ao enclave palestino até o grupo extremista Hamas devolver todos os corpos dos reféns ainda no território. Segundo uma nota vista pela agência Reuters, Israel informou à ONU que permitirá a entrada a partir de hoje de apenas 300 caminhões com suprimentos – metade do número previsto sob o acordo de cessar-fogo da semana passada. Além disso, combustível ou gasolina só poderão entrar para cobrir necessidades específicas relacionadas à infraestrutura humanitária. Olga Cherevko, porta-voz do Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha), confirmou que a organização foi notificada por Israel. O Cogat, braço do Exército israelense que supervisiona o fluxo de ajuda para Gaza, disse que as restrições se deviam “à violação pelo Hamas do acordo relativo à entrega dos corpos dos reféns”.
O texto do acordo, porém, reconhece que o Hamas e outras facções palestinas não conseguiriam respeitar a entrega no prazo de 72 horas, alcançado na segunda-feira, quando os últimos 20 reféns vivos foram trocados por quase 2 mil palestinos – 250 condenados à prisão perpétua e quase 1.700 presos sem acusação formal desde o início do conflito. No mesmo dia, o Hamas devolveu os corpos de três israelenses e um nepalês, cujas identidades já foram confirmadas. Ontem, Israel confirmou a chegada dos restos mortais de mais quatro após terem sido entregues pelo Hamas à Cruz Vermelha Internacional, ficando ainda em Gaza outros 20. Há previsão de que mais quatro sejam entregues hoje.
Sob condição de anonimato, três autoridades israelenses disseram ao New York Times que, no caso de o Hamas não conseguir entregar os corpos rapidamente, o acordo prevê a criação de uma força-tarefa conjunta, incluindo os EUA e outros mediadores, para compartilhar informações e ajudar a encontrá-los. Grande parte dos obstáculos enfrentados na devolução se deve à quantidade de escombros no território, quase completamente devastado por mais de dois anos de guerra, com o risco de os corpos estarem enterrados sob toneladas de concreto em prédios ou túneis destruídos pelos bombardeios israelenses.
“É um desafio ainda maior do que libertar as pessoas vivas. É um enorme desafio [encontrar os corpos]”, disse o porta-voz do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Christian Cardon, acrescentando que o processo pode levar dias ou semanas, e que há a possibilidade de alguns deles nunca serem encontrados.
Acusações ao Hamas
Ainda segundo as fontes ouvidas pelo jornal americano, apesar de Israel acreditar que o Hamas não sabe a localização de todos os corpos, o grupo teria, em contrapartida, conhecimento da localização de muitos. Ontem, as Forças Armadas israelenses acusaram o Hamas de não ter feito esforços significativos para entregar aqueles que sabe onde estão. Para rastrear os restos mortais com paradeiro desconhecido – ao menos 15, de acordo com a rede americana CNN – o Hamas precisará conduzir sua própria investigação, conversar com outras facções militantes em Gaza, remover os escombros e inspecionar os túneis destruídos. Para as famílias que não receberam os restos mortais de seus entes queridos, houve um fim amargo para a segunda-feira, quando o país comemorou a libertação dos últimos 20 reféns vivos e os palestinos receberam 2 mil prisioneiros libertados por Israel. Ontem, o Fórum de Reféns e Famílias Desaparecidas enviou uma carta ao enviado especial dos EUA, Steve Witkoff, expressando sua preocupação com o retorno dos restos mortais dos reféns mortos.
“O que temíamos está acontecendo diante dos nossos olhos” disse o fórum, instando os EUA a “fazer tudo o que estiver ao seu alcance e a exigir que o Hamas cumpra sua parte do acordo e traga todos os reféns [mortos] para casa”.
O presidente dos EUA, Donald Trump, também criticou o Hamas ontem, dizendo que “o trabalho não está concluído”: “Os mortos não foram devolvidos, como prometido”, escreveu em uma publicação na rede Truth Social.
Ao New York Times, uma autoridade do Hamas disse ontem que o grupo estava comprometido em devolver todos os corpos, pontuando, porém, que a devastação em Gaza dificultava a rápida recuperação dos restos mortais. Segundo a emissora catarí Al-Araby, equipes do Egito – uma das nações mediadoras do armistício, ao lado de Turquia, Catar e EUA – já operam em Gaza para localizar e recuperar os restos mortais dos reféns, com informações de que uma equipe técnica de Israel também está dando assessoria às autoridades egípcias para solucionar a questão.
Nova fase sem previsão
Sob o acordo, Israel tem de devolver os corpos de 15 prisioneiros palestinos em troca de cada refém israelense morto, totalizando 360. Este número inclui combatentes que participaram do ataque terrorista de 7 de outubro de 2023, que deixou quase 1,2 mil mortos no sul israelense, e pessoas mortas na guerra subsequente, que deixou mais de 67 mil mortos em Gaza. Ontem, o país começou a cumprir essa promessa, entregando 45 corpos ao Hospital Nasser, em Khan Younis. Mas Mohammed Zaqgot, funcionário do hospital, disse que Israel entregou os corpos sem identificação, apenas com um número atribuído a cada um. Pela proposta de 20 pontos de Trump, além da devolução dos reféns vivos e mortos em troca de prisioneiros palestinos também vivos e mortos, a interrupção dos combates seria acompanhada pela retomada da entrada de ajuda em patamar similar ao de janeiro, quando foi firmado o último cessar-fogo, rompido dois meses depois – termos que fariam parte da fase inicial do plano. As outras fases, que incluem o futuro de Gaza, ainda não foram negociadas e não há previsão para seu início.
- Caminhões com suprimentos passam por tendas de refugiados perto do campo de Nuseirat: Israel anunciou que só 300 entrarão por dia até fim do impasse com Hamas Foto: Eyad Baba/AFP
- Fonte: O Globo, com AFP e New York Times