Instituto de André Mendonça, do STF, fatura R$ 4,8 milhões em contratos

21 de outubro de 2025 09:39

Com pouco mais de um ano de atividade, o Instituto Iter, fundado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça, arrecadou pelo menos R$ 4,8 milhões. A maior parte dessa receita é proveniente de contratos assinados com instituições públicas entre maio de 2024 e outubro deste ano.

Segundo o site do Iter, o instituto “se dedica a formar líderes e profissionais que farão a diferença em suas áreas, impulsionando o desenvolvimento sustentável e a inovação no Brasil”. Os cursos abordam temas como reforma tributária, lei de licitações, Sociedade Anônima do Futebol (SAF) e gestão de obras públicas.

Mendonça é rosto do instituto presente nas peças publicitárias. É do prestígio de seu nome que deriva boa parte dos contratos. O ministro declara que o Iter, além de cursos, se oferece para sediar conversas com autoridades, como um lugar neutro, longe das “influências” em Brasília.

O Iter foi criado como uma empresa de sociedade limitada (Ltda.) em novembro de 2023, quando Mendonça já integrava o STF. As atividades começaram no início de 2024. No mesmo ano, o Iter virou uma S.A. (sociedade anônima de capital fechado).

Em nota enviada por meio do Iter, o ministro afirmou que “sua atuação no instituto é exclusivamente educacional” e está autorizada pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman). “Suas atividades docentes e acadêmicas são plenamente compatíveis com sua função no Supremo Tribunal Federal”, disse (mais informações nesta página).

Segundo registros da Junta Comercial, o Iter tinha em 2023 Janey Mendonça, mulher do ministro, como sócia administradora. Em 2024, Janey deixou essa função, que hoje é exercida por outro sócio, Victor Godoy, ex-ministro da Educação no governo de Jair Bolsonaro (PL).

Acionista

Uma outra empresa, a Integre, aparece como acionista majoritária, sem exercer função de gestão. O casal Mendonça é dono da Integre. Ou seja, por meio da Integre, eles são os sócios majoritários também do Iter. Além deles, figuram no quadro societário colegas do ministro no governo Bolsonaro: Danilo Dupas, ex-presidente do Inep; Rodrigo Hauer, chefe de gabinete de Mendonça no STF; Tércio Tokano, ex-secretário executivo do Ministério da Justiça; e Victor Godoy, CEO do Iter. Em nota ao Estadão, o instituto confirmou que a Integre exerceu a função de sócia administradora até o momento em que a empresa passou de sociedade limitada para sociedade anônima de capital fechado.

As palestras de Mendonça sobre “a arte e a ciência da oratória jurídica”, o “prefeito do século 21”, “o direito da construção e infraestrutura” e “o domínio dos recursos extraordinários” representam mais de um terço dos 50 contratos com instituições públicas que somam R$ 4,8 milhões arrecadados no último ano, segundo levantamento do Estadão. Não estão contabilizados contratos com empresas privadas, pois não há obrigatoriedade de esses acordos serem públicos.

Dentre os entes públicos contratantes dos serviços do Iter estão, por exemplo, os governos de São Paulo, Bahia e Piauí; as prefeituras de São Paulo e do Recife; a Assembleia Legislativa do Paraná; e os Tribunais de Contas de Goiás, Piauí, Rio de Janeiro, Pernambuco, Amapá e Ceará.

O Consórcio Intermunicipal da Região Metropolitana de São Paulo, formado por prefeituras, foi a entidade responsável pelo maior contrato com o instituto: R$ 1,2 milhão para que seus funcionários participem de “cursos e palestras em diversas

áreas do direito e administração pública” durante um ano. O Iter oferece cursos ministrados por outros sócios e professores convidados. Já foram professores o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Antonio Anastasia e o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite.

Vedações

A Lei Orgânica da Magistratura proíbe que juízes exerçam ou participem de atividades comerciais, exceto como acionista ou quotista. Como o Iter vende cursos e palestras, Mendonça não poderia atuar como administrador sem violar a Loman. “Essas vedações compõem uma coisa chamada dever de reserva do juiz. Esse dever é para preservá-lo de relações que venham a ser passíveis de questionar um julgamento que tem que ser imparcial”, disse o professor da Uerj Fernando Fontainha.

Para ele, “todo mundo quer, precisa e investe em proximidade com o Judiciário”, sendo este um dos motivos para que diversos agentes públicos mobilizem recursos para participar dos cursos oferecidos pelo instituto do ministro. Uma vaga na aula sobre “a arte e a ciência da oratória jurídica” custa R$ 16.154 por 24 horas de aprendizagem.

Na avaliação do professor da USP Conrado Hübner, a atuação de Mendonça configura “muito claramente” conflito de interesses. “O direito societário olha para os fatos, não só para o texto do contrato social. Nesse sentido, se, na prática, o ministro exerce papel de administrador, como, na prática, Gilmar (Mendes) exerce papel de administrador do IDP, obviamente é um ilícito.”

Hübner se referiu ao ministro Gilmar Mendes, do STF, um dos donos do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), empresa cujo sócio administrador é seu filho Francisco Mendes. Procurado, Gilmar não quis se manifestar.

O Estadão solicitou a lista de todas as pessoas físicas e jurídicas e entes públicos que já contrataram serviços do Iter, mas o instituto respondeu que informações comerciais “são de natureza privada e regidas por cláusulas de confidencialidade”. “O Iter atua de forma regular e dentro dos parâmetros de mercado, com conformidade fiscal e jurídica em todas as suas parcerias.”

Na avaliação de Hübner, essas interações com agentes públicos são “um exemplo escolar de violação de rituais elementares de imparcialidade”. “Conflito de interesse é uma condição objetiva: se você senta numa cadeira com uma função institucional de tomar decisões que afetam certos atores, outras conexões pessoais e empresariais não podem suscitar a desconfiança de que você poderia decidir de um certo modo para se beneficiar.”

Ministro afirma que atuação não fere a lei da magistratura

Em nota, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça disse que sua atuação no Iter é legal e não fere a lei que rege o exercício da magistratura no País. “Sua atuação é exclusivamente educacional, restrita à participação em cursos, palestras e eventos acadêmicos, sempre com foco na formação de estudantes, profissionais, gestores e servidores públicos”, diz a nota. “A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) autoriza expressamente o exercício do magistério, e o ministro entende que suas atividades docentes e acadêmicas são plenamente compatíveis com sua função no Supremo Tribunal Federal. O Instituto Iter é instituição voltada exclusivamente à educação e à promoção de conhecimento técnico e científico”, afirma o comunicado.

Mendonça afirmou ter participado do seminário Recuperação Extrajudicial – no qual citou o nome de parlamentares – na condição de moderador e que o conteúdo das atividades foi educacional e técnico. “O ministro entende que sua participação em eventos educacionais sobre assuntos de interesse público é plenamente compatível com as prerrogativas da magistratura.”

O Instituto Iter afirmou que “todas as suas ações são conduzidas com integridade, rigor técnico e compromisso com a ética pública”.

  • O ministro do STF, André Mendonça, em palestra no Instituto Inter, do qual é sócio. Foto via @rennanthamay no Instagram
  • Fonte: O Estado de S.Paulo

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